Quanto vale a Lei?

STJ absolve jovem de 20 anos que engravidou menina de 12 mesmo que o Código Penal Brasileiro diga o contrário.

Anna Luiza Calixto

 

Lá vamos nós para mais um dia defendendo o óbvio. A 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o caso de uma criança de 12 anos grávida de um jovem de 20 não se enquadra como estupro de vulnerável. Por mais absurdo que pareça – e é –, o crime foi especificado como “erro de proibição”, o que significa que a pessoa cometeu um crime supondo que a conduta fosse legal. Três votos foram a favor da tese e dois contra.
O trabalhador rural, vindo do interior de Minas Gerais, constituiu o que o ministro Reynaldo Soares da Fonseca chamou de união estável com a menina. A questão é que essa menina não engravidou, ela foi ENGRAVIDADA. Sim, digo isso porque ela é sujeito passivo dessa barbárie, não ativo. Sofreu o assalto desumanizante de sua infância em nome de uma outra criança que nasceu do seu ventre. Vale a pena ressaltar novamente o óbvio: meninas não devem ser mães, meninas devem ser meninas e ponto.
A ministra Daniela Teixeira (única mulher do grupo), por outro lado, apresentou uma visão absolutamente contrária. Ela se posicionou dizendo que essa tese poderá abrir brechas para muitas “paixões” de homens adultos por meninas que, por consequência, não serão responsabilizados com a devida severidade. “O fato de terem um relacionamento amoroso apenas reforça a situação de violência imposta à adolescente, que deve ser protegida pelo Estado até mesmo de suas vontades. […] Ninguém aqui diria que seria lícito dar a ela bebida alcoólica ou substância entorpecente apenas porque pediu, insistiu, viu na novela. Por que vai autorizar violência muito maior que o uso de álcool que é o sexo?”, questionou.
Para além do posicionamento dos juristas, lembremo-nos do que diz o Código Penal que, no artigo 217-A, estabelece como crime qualquer tipo de interação sexual – seja conjunção carnal ou ato libidinoso – com crianças e adolescentes abaixo dos 14 anos, INDEPENDENTEMENTE do seu consentimento. Em termos práticos, o que diz a lei é que abaixo dos 14 anos não existe CONSENTIMENTO VÁLIDO, ou seja, o menino ou menina ainda não está pronto para consentir com trocas de natureza sexual, que dirá com a formação de um feto.
“Ah, mas eu sou pró-vida!” – dizem muitos dos defensores da absolvição. Bem vindos ao clube, eu também sou. Sobretudo PRÓ à vida da menina que foi violentada sexualmente, desprotegida pelo Estado e levada até o fim numa gestação. Citando mais uma vez a ministra Daniela: “(…) que deve ser protegida pelo Estado até mesmo de suas vontades. (…)”
Antes do caso ir para as mãos do STJ, a mãe da menina havia denunciado a situação à Justiça de Minas, que condenou o homem a 11 anos e 3 meses de prisão. No entanto, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) afastou o caso porque “ele e a menina haviam firmado uma união estável.” A conclusão da corte foi que se tratava de um “erro de proibição”, instância em que a pessoa comete um crime sem saber que é uma atividade ilegal.
O Ministério Público recorreu então ao STJ com o pedido dereavaliação. Após análise, a 5ª turma utilizou um recurso especial de “reafirmação de jurisprudência” no seu veredicto, citando a exceção da regra.
Agora imaginem vocês o precedente que isso abre para quantos homens que se relacionam com meninas de 12 anos ou até menos que isso e agora podem dizer “Nossa, isso é crime? Poxa, eu não fazia ideia!”. Se a criança que acabou de nascer merece a prioridade absoluta da família, da sociedade e do Estado, o que dizer daquela que está há 12 anos sendo violado sucessivamente sem qualquer assistência do poder público?
“Não se pode, racionalmente, aceitar que um homem de 20 anos de idade não tivesse a consciência da ilicitude de manter relação sexual com uma menina de 12 anos. Não se trata, o agressor, do ‘matuto’ exemplificado nas doutrinas de Direito Penal, ou do ermitão que vive totalmente isolado da sociedade, sem qualquer acesso aos meios de comunicação ou à sociedade”, afirmou Daniela Teixeira.
Idealizar o agressor romantizando sua trajetória como um bom selvagem que não fazia ideia da violência que estava praticando contra uma menina de 12 anos é de uma irresponsabilidade que beira a rasgar o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) como uma piada de quase 34 anos.
Meninas não são mães. Meninas são meninas. O Estado não pode tutelar nossos corpos desde a infância nos obrigando a ser mães e arrancando nossas infâncias mesmo quando nossa própria mãe vai à delegacia denunciar um estupro. Proteger uma vida que acaba de nascer em detrimento de outra que tem 12 anos na Terra é incoerente. Dois pesos, duas medidas. A infância brasileira pede socorro.