Atibaiano não abre a boca nem para bater palmas…
A principal brincadeira, além das camuflagens dos mascarados, era a batalha de confete, arremesso de laranjinhas e a guerra de água da molecada, abastecida no chafariz da Praça da Matriz.
Márcio Zago
Em março de 1927, o jornal O Atibaiense trouxe em sua capa mais uma crônica de Silveira Bueno. Em sua coluna, “Recordações de Atibaia”, o escritor rememorava diversas situações vividas na cidade. Naquela edição, o assunto tratado era o Carnaval.
Segundo o autor, o Carnaval nunca foi forte em Atibaia naquele período; pelo contrário, tudo se resumia a pequenos grupos de mascarados dispersos pela rua. Fato confirmado pelos poucos registros sobre o tema existentes na imprensa local. A principal brincadeira, além das camuflagens dos mascarados, era a batalha de confete, arremesso de laranjinhas (para quem podia comprar) e a guerra de água da molecada, abastecidano chafariz da Praça da Matriz.
Os espirradores, ou “xiringa”, que até os anos noventa dominaram os carnavais, não eram de plástico, cada brincante construía o seu instrumento com gomos de taquara e casca de laranja como êmbolo. Apesar da alegria do público infantil, para os adultos a brincadeira era vista como uma diversão de mau gosto, um caso de polícia.
Um artigo, também publicado no O Atibaiense, enfatizava: “É lastimável que não tenha sido proibido o tal brinquedo, que não pequenas e desagradáveis consequências arrastam. É necessário que se acabe de vez com o celebérrimo brinquedo com água, para mostrar que somos um povo civilizado e digno do século em que vivemos”. Na crônica do jornal O Atibaiense, Silveira Bueno descrevia várias situações vividas na infância, como o caso do Padre Sangirardi, que tomou pelas costas um violento arremesso de “laranjinha” desferido por um desconhecido… Um sacrilégio para a época.
As laranjinhas eram realmente brinquedos perigosos. Para fazê-lasderretia-se cera virgem num tacho de metal até obter seu estado líquido. Em seguida, mergulhava-se uma laranja (daí o nome) para, em seguida, retirá-la, deixando escorrer o excesso de cera. Ao redor da laranja formava o molde que, depois de endurecido, era cortado ao meio e retirada a laranja.
No espaço deixado pela laranja eracolocada um líquido perfumado e lacrada novamente com a própria cera derretida. Claro que havia os mais “danados” que nem sempre colocavam “líquido perfumado” em seu interior. Outro caso narrado por Silveira Bueno diz respeito a ele mesmo, quando, no intuito de fazer graça com uma jovem que estava na janela, tirou do bolso e arremessou um punhado de confete em direção à moça.
Junto com os papéis picados foi um patacão de dois vinténs de cobre do Império, fazendo um grande galo na testa da moça que pretendia homenagear. Estes e outros fatos igualmente curiosos e irônicos narrados por Silveira Bueno foram recentemente compilados pelo pesquisador Pedro Alvim no livro “Recordações de Atibaia”, indispensável para quem quer conhecer nosso passado, e principalmente um dos escritores mais conceituados de Atibaia.
Natural de Jarinu, na época um distrito de Atibaia, o autor alcançou projeção nacional como poeta, jornalista, contista, filólogo e professor, sendo autor de diversos dicionários reimpressos até hoje. A respeito desse tema e do pouco envolvimento do povo com o carnaval daquela época, lembrei-me de outro jarinuense, igualmente craque na língua portuguesa: o professor Guilherme Contesini. Ele, ironicamente, dizia em diferentes situações que “Atibaiano não abre a boca nem para bater palmas”. Frase que,nesse contexto, cai como uma luva.