Música e diversão em Atibaia nos anos vinte
Márcio Zago
“O passeio de automóvel tornara-se público e elegante; era só virar a manivela e o carro funcionava. Se fosse um automóvel mais caro e sofisticado, tinha chave de ignição; era só virar a chave e, como por encanto, o motor funcionava. Dirigir-se à fazenda ou a um divertido piquenique era uma facilidade!
Com a tração animal, tudo mudava; começava-se buscando o animal no pasto, dando-lhe milho no embornal, selava-se a besta e a atrelava num trole. E chovia… mas apesar disso, muito se conta das merendas desses passeios: frango assado, patês, tortas de banana e os vinhos estrangeiros.
Até que enfim começaram a chegar os automóveis e adeus às mulas!”. Nesse texto de Renato Zanoni, notamos a mudança que parte da sociedade atibaiana passou a ter nos anos vinte. Para a elite econômica, o automóvel passou a ocupar todos os espaços e nessa associação, entre carro e diversão, outro elemento se integrava: a música.
Duas crônicas do jornal O Atibaiense confirmam esse fato, ambas de 1929. A primeira descreve uma excursão a Joanópolis e começa assim: “É hora, vamos, toca o bonde, diz alguém. E a jardineira cor de vinho desliza mansamente pelas ruas de Atibaia em direção a Joanópolis. Dia esplêndido. Estrada boa. Começam a soluçar o violão. Começam a vibrar a bandola, porque nessa terra abençoada, por estes Brasis, nada se faz sem harmonia ou coisa que participe da natureza da harmonia, ainda que de longe; e nesse ponto, decididamente, o brasileiro é exigente, o brasileiro quer música, visto que brasileiro gosta de música típica, dolente ou remexida, requebrada ou langorosa… mas brasileiro gosta de música. Fazer o quê? É nosso fraco!
E assim não deram tréguas aos instrumentos… E eles deram o que tinham para dar… O violão, este vai sempre e em toda parte descontando o tempo em que foi injustamente renegado a plano secundário. Está reabilitado.
Já hoje goza dos foros de cidadão. Está nos salões e dele não prescindem os nossos melhores artistas como, por exemplo, Helena de Magalhães Castro, a brilhante declamadora e cantora paulista que está fazendo figura belíssima no Velho Mundo”. A artista citada, Helena de Magalhães Castro, além de cantora e declamadora, foi pesquisadora do folclore brasileiro, pianista, violonista, professora e homeopata. Em companhia dos amigos Guilherme de Almeida e do maestro João Souza Lima, fundaram em 1931 o IAB – Instrução Artística do Brasil, ligando-se a projetos educacionais de divulgação da arte nas escolas.
A segunda crônica publicada no O Atibaiense leva o nome de “Pic-Nic”, um passeio comum na época. O piquenique, ou convescote, é um encontro festivo com o objetivo de realizar uma refeição ao ar livre. Nesse texto, sabemos que o evento aconteceu na fazenda Santa Gertrudes, do Major Juvenal Alvim: “tomaram parte várias famílias atibaianas, pessoas de destaque de nossa sociedade e diversas senhoritas e senhoras que estão a passeio em nossa cidade. Vários automóveis conduziram as famílias até a fazenda, sendo reservado um caminhão para levar os rapazes… e o chorinho que foi amenizando a viagem com alegres melodias (…)”.
A diversão na fazenda incluía chupar laranja no pé, posar para as chapas fotográficas e o esperado almoço sob o bosque das jabuticabeiras. Depois do almoço, o jovem Pedro Florido acompanhou ao violão várias modinhas cantadas pelo acadêmico Arnaldo Barbosa, pela senhorinha Aparecida Salles e senhorinha Lourdes Barbosa, enquanto isso, no terreiro em frente da casa, acontecia um animado baile ao som alegre do chorinho… Como se nota, para a elite econômica, a música, em especial o chorinho, assim como a comida farta e o conforto eram indispensáveis em qualquer diversão.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.