Terpsíchore Club
Márcio Zago
No inicio de século XX era comum à elite escolarizada utilizar a expressão “arte de Euterpe” ao se referir à música, assim como era comum utilizar Terpsíchore na dança. Euterpe e Terpsíchore são “deusas da arte”, segundo a mitologia grega. O nome Terpsíchore, a deusa da dança, foi escolhida para nomear a segunda associação voltada à dança de Atibaia. A primeira foi o Club Dançante Democratas.
Ambas surgiram ao mesmo tempo, em maio de 1914, mas o Club Democratas sucumbiutrês meses depois de aberto. O TerpsíchoreClubdurou até março do ano seguinte e tinha como proposta organizarbailes, além das festas campestres, pic-nics e comemorações de datas nacionais, atividadesmuito comuns na época. A associação tinha como presidente o Professor Domingos Mateus e vice-presidente Benedito Passos.
O tesoureiro era O legário Amaral e os secretários Benedito Moraese João Passos.Os clubes e associações incluíam a função de orador entre seu quadro diretor e para esta função foi eleito Aprígio de Toledo, o mais requisitado palestrante de seu tempo. O baile inaugural do Terpsíchore Club ocorreu no Pavilhão Recreio Cinema, ao som da Banda Musical 24 de Maio. Segundo matéria do jornal “O Atibaiense” na noite de estreia o salão estava ricamente ornamentado com festões que trançavam as colunas do prédio, descendo pelo vigamento erepletas de flores artificiais. Na entrada, logo acima da porta principal a placa: “Glória a Terpsíchore”.O destaque foia iluminação com luz elétrica, ainda novidade para a época.
O baile foi um sucesso, reunindo cerca de 150 pessoas da elite econômica, politica e social da região. Entre eleso Prefeito Benedito de Almeida Bueno; o ex-intendente e um dos fundadores do Clube Recreativo, o fazendeiroOlegário Barreto; o empresário Deoclides Freire; o advogado Manuel de Toledo;o professor Francisco Napoleão Maia; o proprietário do jornal “O Atibaiense” José Antônio Silveira Maia e o proprietário do jornal “A Cidade” Alfredo André, entre outros. Os bailes seguintes ocorreram, tanto no Teatro Popular como no Clube Recreativo Atibaiano que, pouco depois, se tornou a sede oficial da associação.
Foi lá, no Clube Recreativo, que passarama acontecerto das as quintas e domingos os animados ensaios onde os associados aprendiam ou aprimoravam as coreografias. Aos domingos os “soirées” dançantes passaram a ser acompanhado pelo músico Juvêncio Fonseca e a Banda 24 de Maio. A frequência com que aconteciam os encontros tornou a dança uma das atividades mais populares naquele período. O jornal informava o prestígio alcançado pela associação nos vários artigos que publicava destacando as qualidades de seu presidente, o Professor Domingos Mateus, salientando que ele resistia bravamente a todos às dificuldades que surgiam para manter o Terpsíchore Club ativo.
Em fevereiro de 1915 o empenho da diretoria estava voltado à realização de um grandioso baile à fantasia nas dependências do Recreativo, mas sobre sua realização não há qualquer noticia. No mês seguinte, março de 1915, o jornal publicou uma inesperada nota com o título “Palmadas” que dizia: “Sucumbiu inesperadamente o Terpsíchore vitima de…Urucubaca! “.
A partir daquela nota nada mais foi publicado. Terminava repentinamente os animados “soirées” dançantes que tanta alegria tinha propiciado a seus associados. A nota finalizava com umpoema assinado pelo Zé Triste, um anônimo dançante que tentava explicar parcialmente o que ocorreu.
Afinal, afinal deu em nada,
A mania da dança na terra;
Mas a coisa já andava encrencada
Desde quase o começo da guerra.
Chora Zico, nhoNito, Nitão
Gemendo soluça o pessoal
Chora o Zé, chora o João do salão,
Porque a coisa morreu afinal.
Mais um dia ainda há de chegar
Em que havemos, talvez de dançar.
Mas enfim, mas enfim deu em nada,
A mania da dança na terra,
Pois a coisa já andava encrencada
Desde quase o começo da guerra.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.