Os famosos bailes do Recreativo
Marcio Zago*
O Clube Recreativo Atibaiano, fundado em 1897, surgiu da necessidade da elite econômica criar seu próprio espaço de encontro e desde então teve como presidentes cidadãos que ocuparam posições de destaque na sociedade atibaiense, seja na esfera política, comercial ou profissional. Com o tempo o Recreativo, como é conhecido, tornou-se um dos clubes mais tradicionais do interior paulista.
Entre os inúmeros eventos, os bailes foram as atividades de maior prestígio. Não à toa o primeiro professor de dança de Atibaia (que se tem noticia) trabalhou no clube. Em fevereiro de 1904 um pequeno anúncio de jornal com o título “Aula de Dança” informava: “Previne-se aos amadores que logo depois da quaresma começarão as aulas de dança no salão do Club sob direção do inteligente moço Sr. José Armando, que generosamente a isso se presta”.
No final da primeira década do século XX as “soirées” dançantes do Recreativo já eram famosas. Um artigo publicado em 1906 revelava o “clima” daquela época: “No domingo passado realizou-se com desusada animação o baile que a Diretoria do Club Recreativo promoveu em honra e atenção de todos os associados. O vasto salão, ora reformado de novo, lindamente empapelado e pintado, regurgitava de senhoras, senhoritas e de cavalheiros que dançaram animadamente até altas horas da madrugada. Animava aquela festa íntima uma excelente orquestra composta de distintos professores de música, sob a regência do provecto e estimado professor Sr. João B. de Salles Bastos, cujo repertório escolhido a todos encantou pela sua completa execução. Entre o revoltear farfalhante das belezas femininas – que as havia de grande número – destacavam-se finos e belíssimos vestidos que imprimiam ao salão uma nota alegre e estridente como uma nesga de sol de primavera, coada através das ramarias a beijar a gula insofrida das relvas esmeraldinas…” Pelo estilo literário deste artigo (que destoava da linguagem corriqueira do jornal) nota-se a preocupação em manter a distinção social como atributos do Clube.
Os bailes à fantasia, que ocorriam no carnaval, também eram bastante concorridos. No carnaval de 1913 uma nota de jornal anunciava: “Segundo nos informaram, este ano o Carnaval nesta cidade não passará despercebido, pois um grupo de guapos rapazes promovem bailes familiares à fantasia para o domingo e terça-feira de carnaval, tomando parte neles o pessoal mais influente em nossa sociedade. Os bailes terão lugar no vasto salão do Clube Recreativo Atibaiano, o qual será adornado para esse fim”.
Acontecimentos importantes também mereciam bailes. Foi assim em 1905, quando um grande “soirée” ocorreu por conta da inauguração do Grupo Escolar José Alvim. Em1907, outro baile comemorativo. Desta vez para celebrar a instalação da luz elétrica na cidade. Aliás, um baile bastante polêmico. A controvérsia aconteceu porque depois da solenidade, que ocorreu no Paço Municipal, houve farta distribuição de chopes aos populares.
À noite a elite local se reuniu para mais um baile no Recreativo… Mas o povo não gostou. Tanto que os organizadores foram obrigados a lançar um esclarecimento pelo jornal “O Atibaiense” intitulado “O povo e a inauguração”: “Os abaixo assinados, na qualidade de membros da inauguração da Luz Elétrica(…) vem a público declarar que não é exato a propaganda de que o baile do Recreativo era de caráter oficial, mas sim particular, promovido por diversos rapazes da melhor sociedade. Quanto ao chopes, pela ocasião do baile, foi oferecido pela Câmara, não no intuito de haver baile, porque se ela quisesse dar, daria na sala de sua propriedade. Por quanto a comissão aproveitando a oportunidade para pedir desculpas não só de algumas faltas cometidas, como também de algumas ofensas involuntariamente dirigidas a quem quer que seja.” Assinavam o comunicado Manuel de Toledo e Egydio Silveira. Apesar deste entrevero, os bailes comemorativos nunca pararam. Em 1909 o grandioso “soirée” foi para comemorar a inauguração da Cia Têxtil São João. E assim a tradição atravessou décadas, resistindo bravamente a todas as mudanças ocorridas nos hábitos e costumes da sociedade local. Ainda hoje, a cada aniversário da cidade, a data é solenemente marcada pelos famosos bailes do Clube Recreativo.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.