Memória Cultural
Fatos, lugares e pessoas que formaram a identidade cultural de Atibaia.
Márcio Zago
Partir de hoje iniciamos a coluna Memória Cultural, que pretende a cada semana trazer um pequeno texto sobre o rico histórico cultural do município.
Muito se fala dessa riqueza, mas pouco se sabe sobre ela. Quais foram os principais e mais importantes acontecimentos nesta área? Quais pessoas e artistas influíram na formação de nossa identidade cultural? Quais linguagens tiveram maior desenvolvimento nas diferentes épocas?
São mais de três séculos de histórias! Muitas delas perdidas para sempre, outras guardadas em bibliotecas e museus. Felizmente, boa parte encontra-se adormecido entre as páginas do centenário jornal “O Atibaiense”.
É dele que ressurgem as histórias, como pílulas do tempo. A ideia dessa coluna veio por acaso, quando a partir de 2015 passei a pesquisar o acervo do O Atibaiense procurando informações sobre André Carneiro, artista anualmente lembrado na cidade por conta da Semana André Carneiro, evento no qual sou criador e curador. O rico material encontrado me surpreendeu e passei a colecionar também informações sobre diferentes aspectos da cultura local.
Há pouco mais de um ano as pesquisas viraram semanais, graças ao apoio e incentivo dos irmãos Wagner e Carlos Alberto Bassetto, proprietários do jornal. Dado o volume de informações percebi que seria difícil reunir material suficiente para analisar e conferir antes de publicá-lo (como seria correto). Optei então por colunas semanais, onde as descobertas serão disponibilizadas na medida em que forem encontradas. Desta forma iremos descobrir a cultura de nossa cidade juntos, de forma colaborativa. Erros e enganos fatalmente ocorrerão, mas poderão ser retificados com a participação das pessoas que sabem mais sobre o assunto, opinando e enriquecendo as informações (assim espero!).
O motivo deste trabalho veio da vontade de conhecer minhas raízes e a profissão que abracei. Sou natural de Atibaia e militante da área cultural há quase quatro décadas, quando criei o Garatuja, hoje Instituto de Arte e Cultura Garatuja. Mais que isso, me preocupo com o enorme crescimento do município ocorrido nos últimos anos, onde os novos habitantes não trazem a memória afetiva do lugar, fato natural e inexorável do progresso, mas o crescimento dissociado das relações históricas podem gerar rupturas e injustiças irreparáveis.
Esse mergulho no passado, neste momento, é fundamental. Através da cultura resgatamos nossa ancestralidade, nosso DNA, reafirmamos nossas raízes e criamos argumentos para preservar nossa identidade. E para começar nada mais justo que destacar a importância deste ilustre aniversariante, o próprio jornal “O Atibaiense”, como relicário, como depositário cultural.
De 355 anos do município, 120 estão registrados em suas páginas. Qual outra cidade, com estas características, tem o privilégio de possuir um terço de sua história documentado com tanta precisão num único veículo? Estão ali todas as nuances da comunicação, todas as entonações da linguagem, todas as intenções e todos os erros. Tudo demasiadamente humano, que chega a emocionar o leitor mais atento que tem o privilégio, como eu tenho, de percorrer suas páginas amareladas pelo tempo. Sabemos que as informações ali contidas não são definitivas. Trata-se de um recorte da história deixada pelos letrados e pela elite econômica, mas muito importante se quisermos conhecer a fundo nossa origem.
A história do jornal “O Atibaiense” e a história do município estão intrinsecamente ligados. Não por acaso o primeiro telefone da cidade, nos longínquos anos de 1901, foi instalado na redação do jornal graças à inteligência e visão de futuro de seu fundador, o jornalista José Antônio Silveira Maia. O telefone ligava o pequeno centro da cidade à estação ferroviária, ponto de maior fluxo da época. Com o telefone José Antônio Silveira Maia recriou um telégrafo, anotando recados e retransmitindo a população, que somados ao jornal impresso estabelecia o domínio da comunicação local.
Vivendo numa pequena aldeia, que era Atibaia na época, o jornalista/empresário soube extrair todas as possibilidades existentes para conectar Atibaia ao mundo. Costumes, politica, personalidades, acontecimentos, tudo registrado em detalhes pelas páginas do jornal. Por elas descobrimos leis curiosas como a proibição de amarrar cavalos em postes, a cobrança de impostos sobre fogões ou a multa para quem deixar a torneira aberta, mas sabemos também como a cultura teve importância no município desde seus primórdios como urbe. As crônicas existentes revelam a vontade da população em ter um Teatro maior já no comecinho do século XX. Sabemos ainda do pioneirismo de seus habitantes em relação a determinadas áreas artísticas como o cinema, o teatro e a música. São revelações surpreendentes que precisam ser resgatadas e ressignificadas para que o passado seja novamente incorporado ao presente, com vistas ao futuro. O desafio é grande, começa agora, sem tempo para acabar…
Márcio Zago é artista plástico e artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”. É criador e curador da Semana André Carneiro.