Minha CNH vai parar nas mãos da Agência de Inteligência?
Minha história com a CNH (Carteira Nacional de Habilitação) daria uma novela. É sério, gente. Sou um motorista calmo, mas integrante da minha família circulou durante dois anos com um veículo que estava em meu nome. Resultado: uma coleção de multas. Elas até demoraram um pouco para chegar, mas caíram sobre mim feito cascata ou cachoeira.
Claro que fiquei preocupado. De cara, entrei com recurso em nível local, acreditando que encontraria compreensão e sensibilidade. A primeira reação foi a definição de seis meses sem carteira. Recorri novamente para o nível estadual. Num terceiro recurso, dirigi minha contestação e demanda novamente ao Estado. Sem chances. Respostas frias, dentro literalmente da lei, sem contextualização. Perdão seria impossível.
No final de 2019, cansei de tantos recursos e decidi entregar a CNH na Ciretran de Atibaia. Minha penalidade foi ficar sem a carteira de janeiro a julho de 2020. Nos primeiros dois meses, andei bastante de Uber e 99, entre a minha casa e a Câmara. Foi até divertido. Em março, a pandemia se instalou e me recolhi ao lar, doce lar, graças a Deus. Terminado para mim o prazo de penalidade, a Ciretran ainda não voltou (só em outubro) e, nesta semana, comecei os contatos com autoescolas para fazer o curso de reciclagem.
Ou seja, a novela da CNH deve continuar por mais uns capítulos. Até que não tive grandes prejuízos. As multas foram pagas pelo familiar que utilizou o carro. Mas, nesta semana, recebendo boletim do Intercept/Catarse, me dei conta de que, desde junho, uma história federal corre em torno das CNHs realmente “nacionais”.
A notícia conta que a Abin, Agência Brasileira de Inteligência, quer colocar as mãos em dados e fotografias dos mais de 76 milhões de cidadãos que possuem uma carteira nacional de habilitação, a CNH. O Intercept teve acesso a documentos de pessoas envolvidas na negociação que mostram que a Abin pediu ao Serpro, empresa pública de processamento de dados, um banco de informações colossal. Os dados incluem nomes, filiação, endereços, telefones, dados dos veículos e fotos de todo portador da CNH.
Parcela equivalente a 36% da população tem CNH e 1,5 milhão de novos documentos são emitidos todo mês. Por esse motivo, a agência exige que os dados sejam atualizados mensalmente. “Esse caso, pelo volume de informações, chama atenção. Eu me pergunto qual é o interesse estratégico para inteligência nacional você fazer vigilância massiva”, questionou o advogado Danilo Doneda, membro indicado pela Câmara dos Deputados para o Conselho Nacional de Proteção de Dados e Privacidade.