A transformação digital e a engenharia da indiferença
A transformação digital já era uma prioridade na agenda dos executivos brasileiros, mas, com a pandemia da Covid-19 tornou-se uma questão de sobrevivência. “Crises como esta aceleram processos históricos”, observou o historiador Yuval Harari (autor de Sapiens e 21 lições para o século XXI).
Daqui, no home office desde 23 de março, tento entender o presente e antecipar as linhas do futuro. Muitas estruturas ruíram e ainda cairão. O crescimento do digital na administração doméstica e profissional é imperioso e soberano. Regras de mercado, leis inócuas, procedimentos de saúde e comportamento corporativo passam por uma revisão nunca antes vista. Olhem para o setor da educação.
De acordo com Marcelo Coutinho, coordenador do Mestrado Profissional da EAESP, “no nosso caso, diversos cenários que previam a expansão do e-commerce, do home office e da educação digital para meados desta década foram ‘acelerados’ para este ano”. Segundo ele, “o desafio agora é preparar a empresa e os profissionais para aproveitarem a enorme demanda por conhecimento dos processos de digitalização, desde logística até serviços ao cliente”.
No cenário político, em que temos eleições municipais em novembro, as estatísticas da pandemia atropelam a prática cotidiana dos representantes. Muito acostumados com relações presenciais, os políticos foram obrigados a experimentar novas formas de diálogo com a população. Aqueles que negaram ou negam essa mudança, pagaram e pagarão o preço cheio do ingresso na nova era.
Por outro lado, a revisão da política e da prática empresarial é tão profunda que, como apontou o filósofo Vladimir Safatle, escancarou a “engenharia da indiferença” no país. Para ele, “o principal esforço até agora não consistiu em mobilizar as riquezas do país para evitar as mortes, mas, sim, em banalizá-las”, escreve. “O país no qual podemos habitar ainda não existe. Seria mais fácil se assumíssemos, de uma vez por todas, que precisaremos criá-lo. E o primeiro passo para isso é se recusar a aceitar mais um genocídio”.
Os “mortos” aceitáveis são apenas nossos velhos hábitos, que não se adaptaram aos novos tempos. O resto é tolice.