305 ou mais formas de ser Mãe
Por Maíra Lopes Pedroso (Pyhtô)*
Maira com os filhos Craté e Cauã Kometani.
Cada vez mais temos ousado falar sobre a maternidade real, aquela que diferente da maternidade romântica, não esconde os desafios, as dificuldades e a exaustão do cotidiano materno. A maternidade indígena também é bastante romantizada por nós não indígenas. Imaginamos que as mulheres indígenas exerçam a maternidade de forma natural. Muitas vezes, pensando que minha experiência com as mulheres Krahô pudesse trazer algumas respostas sobre a tal natureza da maternidade, me perguntaram coisas como: o parto é de cócoras? A amamentação é livre? Mais de uma mulher amamenta o bebê? Os bebês são carregados em panos? Quem é responsável pela criação da criança? Qual é o papel do pai?.
Todas essas questões geram conversas bem interessantes, mas passam longe de trazer uma pista sobre a tal natureza materna. Talvez porque não exista uma forma natural de exercer a maternidade. Hoje vivem no Brasil 305 povos indígenas, falando 274 línguas diferentes. Cada povo tem sua própria realidade sociocultural. Cada povo é uma nação. Cada cultura é um universo. Como falar então de uma maternidade indígena, se temos no mínimo 305 formas diferentes de exercer a maternidade entre os povos indígenas no Brasil atual?
Mas isso não quer dizer que não existam semelhanças. O amor, o cuidado e o carinho, provavelmente sejam parte da natureza materna pois não dependem do lugar e nem da cultura que a mãe nasceu. Mas a forma como cada mãe cuida, dá amor e dá carinho é que fazem com que as mães de cada povo sejam diferentes. A realidade social e econômica que cada mãe vivencia, impacta muito nessa realidade cultural também. A mãe Krahô, etnia com a qual trabalho há oito anos, tem a oportunidade de vivenciar sua maternidade de forma plena. As mulheres Krahô podem ter seu parto ritualizado, fazer seu resguardo tradicional, realizar o ritual que finaliza esse resguardo. Elas tem o apoio de toda uma rede que sustenta seu maternar e compartilham a responsabilidade de criar uma criança. Como no provérbio africano que ficou famoso, as mulheres Krahô contam com a aldeia toda para criar a criança. O que não faz com que a maternidade seja fácil e tranquila mas com certeza a deixa mais leve. As mulheres Krahô contam com essa rede de apoio, aliás as próprias crianças são parte dessa rede, mas o que de fato possibilita que elas vivenciem sua maternidade de forma plena é o fato de que o povo Krahô tem suas terras demarcadas.
Infelizmente, essa não é a realidade da maior parte das mães indígenas no Brasil atual. Existem mães indígenas, de diversas etnias, criando seus filhos em acampamentos nas beiras de estradas. Elas não têm a segurança de saber que seus filhos terão onde dormir e banhar, o que comer e beber. A rede de apoio que tradicionalmente a oferecia suporte, agora está lutando pra sobreviver.
A terra é mãe. Sem a terra não há vida é ela quem gera toda a diversidade de vida. As terras indígenas são hoje as maiores áreas de preservação ambiental do país. Muito disso se deve à atuação das mulheres indígenas, que estão desde os tempos imemoriais defendendo a Terra e toda forma de vida, que dela brota e que dela necessita.
A Terra é nossa grande mãe sem a qual não podemos gerar, nem sustentar nossos filhos. Por isso desejo nesse dia das mães, que toda mãe indígena tenha seu direito ancestral à terra garantido, para que seus filhos possam crescer conectados à suas raízes, o que fará com que os nosso filhos tenham água limpa pra beber e ar puro pra respirar. Todos nós precisamos da floresta em pé!
Desejo que todas as mães, de todas as culturas, tenham suas diferenças reconhecidas e respeitadas e que juntas nós possamos nos fortalecer nesse desafio que é deixar um mundo melhor para os nossos filhos e filhos melhores para esse mundo. Que todas as mães sejam felizes, todos os dias!
*Maíra é formada em Ciências Sociais, é professora e indigenista. Vive e trabalha com o povo Krahô há 8 anos. A terra Indígena Krahô fica no norte do estado do Tocantins, entre as cidades de Itacajá é Goiatins. Natural de Atibaia, nos apresenta no texto um pouco do cotidiano das MÃES da Aldeia KRAHÔ. Uma rica experiência de vida juntamente com o marido Felipe e seus dois filhos, Craté e Cauã Kometani. Família crescendo ao lado das crianças da Aldeia desfrutando da natureza e dos ensinamentos da cultura indígena.