As Santas Missões, música e o clima de guerra
Márcio Zago
Em 1933, o ambiente paulista ainda não era dos melhores e Atibaia sentia seus efeitos. Um ano antes, o movimento armado liderado pelo Estado de São Paulo tinha perdido a batalha contra o autoritarismo do Governo Provisório de Getúlio Vargas na chamada Revolução de 32. O desânimo e a insegurança gerados nesse clima de incertezas políticas criaram condições para os pensamentos mais espiritualizados. Nesse contexto, a Igreja Católica realizou em Atibaia um dos maiores eventos de sua história: As Santas Missões. Sua função era fortalecer e doutrinar a população para a fé religiosa através de ações que incluíam palestras, pregações, procissões e celebrações dirigidas ao povo cristão.
As celebrações tiveram início na igreja da Matriz com os missionários redentoristas e continuaram por vários dias, num ambiente que dividia a fé religiosa, as atrações culturais (principalmente com as bandas musicais) e o ufanismo paulista. As procissões, realizadas à tarde, foram as principais atrações. Houve procissão somente de crianças do catecismo, outra somente de senhoritas e outra de senhoras, porém, segundo o jornal O Atibaiense: “O maior acontecimento da semana missionária foi, sem dúvida, a colossal procissão levada a efeito na sexta-feira última, após a prédica dedicada aos homens, proferida pelo notável orador, o padre Nestor Souza. Essa manifestação religiosa, que merece o adjetivo de formidável, constituiu um espetáculo inédito para Atibaia.
Uma verdadeira apoteose! Compunham-na cerca de 8.000 pessoas, segundo o nosso cálculo. Foi uma procissão exclusivamente de homens, que se achavam irmanados pelo mesmo sentir, sem distinção de credos políticos, posição social, cor e idade… O cortejo, sob ordens dos missionários, formou-se na Praça Claudino Alves. Levavam à sua frente, desfraldada ao zéfiro da noite, três bandeiras: a do Brasil, da Santa Sé e do Estado de São Paulo. E aquele cortejo, impelido por um mesmo pensamento, rompeu a sua marcha triunfal ao clarão das velas que cada devoto empunhava sob o coro de cânticos da igreja. Em meio ao cortejo, seguiam o andor de Nossa Senhora Aparecida e um grande Crucifixo. Logo após, vinham as Irmandades de São Benedito, Nossa Senhora do Rosário, da Boa Morte e do Santíssimo Sacramento. Fechando o enorme préstito, a Corporação Musical 24 de outubro.
Depois de percorrer grande parte da cidade, a procissão, que era aguardada em todas as ruas por numeroso grupo de mulheres, a ovacionavam-na entusiasticamente, estacionaram por fim em frente à igreja…” Nos bairros mais afastados também houve celebrações. Na capela da Santa Cruz do Ribeirão dos Porcos, a cerimônia foi dedicada aos doentes acometidos pela hanseníase, ou lepra, como eram popularmente nomeados. Outro bairro que também integrou as festividades foi Caetetuba. Lá ocorreu a benção dos automóveis, onde após a solenidade litúrgica ocorrida na estação de trem, a procissão de carros e caminhões “garridamente enfeitados” foram abençoados pelo padre ao som da Corporação Musical 1º de Março.
No encerramento das Santas Missões, que ocorreu na Praça da Matriz, houve outra celebração voltada às alunas do catecismo, não faltando chuva de pétalas de rosa, som de bandas musicais e veneração às bandeiras do Brasil, da Santa Sé e do Estado de São Paulo além, é claro, de outra procissão que percorreu as ruas da cidade, já no adiantado da hora. Em tempos de dinheiro escasso, como ocorria naquela época, as ações culturais diminuíam, mas as bandas musicais tinham a opção de integrar-se aos eventos religiosos ou políticos, distraindo e mitigando, por algumas horas, as preocupações dos populares.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.