Festas natalinas de 1923
Márcio Zago
A figura de um velhinho de barbas brancas, bochechas rosadas e roupa vermelha montado num trenó é a imagem mais associada ao Natal. A partir de uma campanha publicitária realizada entre as décadas de 20 e 30, uma garrafa de Coca-Cola foi incorporada à cena… Cena que permanece influenciando o imaginário popular até hoje. Mais do que uma representação voltada ao consumo, o Natal já contou com simbologias mais interessantes. O presépio foi uma delas.
Mas, para os moradores de Atibaia, a festa de final de ano tem alguns elementos a mais. Para os moradores mais antigos da região central ou para quem se dirigia ao centro da cidade nesse período de festas, a data oferece lembranças que vão além da ceia em família e das trocas de presentes. Em Atibaia, nos dias que antecedem o Natal, já é possível ouvir o som dos sinos, dos tambores das congadas, das bandas de músicas e dos cânticos religiosos das procissões pelas ruas da cidade.
Desde os tempos mais remotos, foi assim. Essa festa de final de ano sempre reuniu grande parte dos moradores da cidade, que vinham de diferentes bairros para celebrar e louvar Nossa Senhora e São Benedito. Hoje, não mais. Em um artigo de 1925, publicado pelo jornal “O Atibaiense”, um autor desconhecido relata essa festa no texto “Glosa de Fatos”.
Nele, é possível observar que, apesar da boa intenção, sempre houve certo paternalismo por parte da classe mais abastada sobre o povo simples que vinha dos bairros, os chamados “roceiros”. Nota-se que há uma preocupação em oferecer diversão aos mais pobres (que não podiam pagar pelos bailes, circos e cinemas), mas que tinha como principal propósito afastá-los “dos antros do vício, da bebida, do jogo…”. Uma espécie de tutela sobre os menos favorecidos, um detalhe que revela a divisão que sempre houve entre as classes sociais, mesmo numa festa cuja essência é a confraternização. E hoje, o que mudou? Vamos ao texto: “Com inusitado esplendor foram este ano celebradas as festividades do natal.
Houve um pouco de tudo, de modo que todos se contentaram. Não faltaram os festejos lícitos de caráter popular que distraíssem a alma do povo que teve como nos outros anos, a cavalhada, as embaixadas e também a quermesse. Isto é bom notar e dizer, porque se queremos que a gente roceira procure a cidade nessas ocasiões, é necessário que juntamente com as solenidades religiosas se façam as diversões (…). Não bastam os bailes de caráter mais ou menos particular; não basta o circo à noite;é preciso que durante o dia, fora das funções sacras, o povo tenha em que se ocupar o seu espirito, recreando-se com uma diversão lícita. Isso, além das outras vantagens, produz o benéfico resultado de afastar dos antros do vício – temulência, jogo, etc. – a gente simples que vem a cidade para cumprir os seus votos religiosos e, ao mesmo tempo, para esquecer, por algumas horas, das durezas e monotonia do mato.
Essa gente vem à cidade para “festar” e, portanto, é muito razoável que se lhes ofereçam todos os meios de realizarem eles esse seu desejo que é muito justo, razoável e atendível, principalmente por parte da municipalidade, que poderia nessas ocasiões promover entre outros passatempos os concertos musicais no coreto da matriz, ficando outras peças de divertimento público a cargo dos festeiros (…). Para atraí-los é necessário distraí-los, a fim de que na praça tenha ele, cheias de pequenas coisas, todas as horas.
Do contrário, vê-lo-emos depois das missas cantadasa vagar pelas ruas com indiferença completa, senão com tristeza ou desprazer, a espera das últimas horas em que há de sairà procissão. Mas isto afinal não está direito, nem é maneira de comemorar festivamente o que quer que seja. Por isso entendemos que este ano tudo foi bem, porque em tudo ressoou a nota alegre do natal que naturalmente pôs nas almas, principalmente dos mais simples, o esquecimento das agrestias da roça trocada, embora por três dias apenas, pela convivência amiga e divertida da cidade”.