O Baile Trágico do São João Futebol Clube
O pavor se instalou quando a luz foi interrompida, acrescentando escuridão ao pequeno inferno de calor, fumaça e pânico que tomou conta do local.
Márcio Zago
Nos distantes anos 1940, a paz e a tranquilidade da pacata Atibaia foram abruptamente interrompidas por um episódio que marcaria a história da cidade por décadas. Com pouco menos de 20 mil habitantes, os conflitos locais eram, em sua maioria, questões isoladas, restritas às relações pessoais e ao cotidiano da comunidade. No entanto, o que aconteceu naquela noite de 1941, durante um baile na sede do São João Futebol Clube, foi uma tragédia sem precedentes para a população.
Movido pelo ciúme, um homem chamado Calisto, munido de um galão de gasolina misturada com óleo e querosene, despejou o líquido na escadaria de acesso ao salão de baile e acendeu um fósforo. Rapidamente, as chamas alcançaram o salão lotado, consumindo móveis, enfeites e o teto do prédio.
O pavor se instalou quando a luz foi interrompida, acrescentando escuridão ao pequeno inferno de calor, fumaça e pânico que tomou conta do local. Sem saída, muitas pessoas se atiraram pelas janelas dos fundos da sede. No salão de baile, mulheres desmaiavam e eram pisoteadas… Uma tragédia.
O infrator ensandecido ainda permaneceu algum tempo em frente ao prédio em chamas, ameaçando com um revólver aqueles que tentavam enfrentá-lo.
Segundo o jornal O Atibaiense, “José Alvim, o popular Zezicão do Teatro República, ao ouvir o barulho ensurdecedor que repercutia na cidade, correu até a sede do São João para saber do que se tratava. E foi cruelmente baleado por Calisto, que, após travar luta com Juvenal Aguirre, conseguiu evadir-se.”

Sem preparo para enfrentar situações como essa, a ausência de infraestrutura municipal foi compensada pela ajuda de dezenas de voluntários, que, munidos de baldes e mangueiras, conseguiram extinguir o fogo.
No contundente artigo de O Atibaiense, não há relatos de mortes, e o texto cita nominalmente, de forma bastante respeitosa, todos os voluntários que participaram do resgate, reconhecendo sua coragem e determinação em evitar uma tragédia ainda maior.
O artigo também menciona que o infrator, antes de ser capturado pela policia, havia procurado sua vítima anteriormente na sede da A.A. Cetebê, onde também ocorria um baile, e no Cine República, antes de encontrá-la no São João Futebol Clube, o que levanta a possibilidade de que a tragédia poderia ter sido ainda maior.
Apesar do ocorrido, os bailes nunca deixaram de acontecer, permanecendo como um importante meio de diversão, encontros sociais e entretenimento para boa parte da população de Atibaia. Aquele triste episódio, que marcou física e psicologicamente inúmeras pessoas pela violência com que ocorreu, ficou para trás, mas, infelizmente, já era o prenúncio de uma tragédia ainda maior: a normalização do machismo e do feminicídio nos tempos atuais.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.