Violência virou paisagem?

Aumento de 38% das violações de direitos humanos durante o Carnaval de 2024 revela nossa naturalização da barbárie.

Anna Luiza Calixto

Uma fala comove, mas um exemplo arrasta. Números arrebatam. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) do Brasil registrou cerca de 73,9 mil violações de direitos humanos e 11,3 mil denúncias entre 8 e 14 de fevereiro, período do carnaval, por meio do Disque 100.
Em comparação com o carnaval de 2023, as violações e as denúncias aumentaram 38%. No ano passado foram 53,5 mil violações a partir de 8,1 mil denúncias.
A maioria dos casos, segundo MDHC, foi cometida contra crianças e adolescentes. Foram mais de 26 mil casos registrados contra este público. Sabe o que isso nos diz? A corda sempre arrebenta do lado mais fraco.
Os registros envolvem violência política de gênero ou étnico racial, discriminação, injúria racial e étnica, racismo, violência física, patrimonial ou psíquica, sexual, negligência, maus-tratos, trabalho infantil e abandono.
Crimes contra crianças e adolescentes aumentaram 30% no total do número de violações contra o público infantojuvenil.
Paralelamente, as denúncias recebidas durante o período de carnaval contra este público chegaram a 4.712, portanto, 32% a mais que o carnaval de 2023. Lembrando que cada denúncia representa uma ou mais violação de direitos humanos.
A situação com mais denúncias foi de negligência, com 3.654 no período, contra 2.370 no carnaval do ano passado. Em segundo lugar ficou a exposição de risco à saúde, que teve um aumento de mais de 13% na comparação com 2023.
A média de faixa etária das vítimas vai de 5 a 10 anos, sendo que 15.400 dos crimes ocorreram na casa onde a vítima e o suspeito moram. Considerando apenas este cenário, foram mais de 2,6 mil denúncias. Em seguida, aparece a casa da vítima como local da violação, com 6,3 mil violações e 1,2 mil denúncias.
O estado de São Paulo (tão avançado na teoria) liderou o ranking das denúncias e violações (1.596), seguido do Rio de Janeiro (508), Minas Gerais (367) e Bahia (236 denúncias).
É preciso denunciar, mesmo que anonimamente. A partir da ocorrência da violação e do recebimento da denúncia, a rede de proteção acolhe e distribui as informações e protocolos legais para o sistema de garantia de direitos – incluindo conselhos tutelares, sistemas de justiça e desegurança pública – e através dessa distribuição são cumpridas as devidas atribuições e realizados os fluxos de proteção à vítima, bem como os trâmites de acolhimento institucional (quando necessário) e de atendimento médico e psicológico.
Não podemos fechar os olhos porque quem não denuncia também violenta. Se lembrar é combater, esquecer é permitir. Denunciar a violência é resgatar a infância das garras da naturalização das violações de direitos, nas quais o mal vira paisagem. Precisamos desacostumar o nosso olhar com a barbárie para que o nosso assombro com os males se torne combustível para a revolta contra eles. Toda criança é nossa criança e cada uma delas deve se tornar alvo da nossa proteção integral e prioridade absoluta.