O Corso de 1924

Pelas próprias características, o corso é, por natureza, uma brincadeira exclusiva das elites, que possuíam carros ou que podiam pagar seu aluguel nos dias de carnaval.

Márcio Zago

Os primeiros registros de corsos carnavalescos que ocorreram em Atibaia datam de 1906, quando o jornal “O Atibaiense” anunciou o estrondoso carnaval que ocorreu naquele ano. A grande novidade foram os cinco carros alegóricos que desfilaram sob o olhar atento dos foliões, todos armados sobre carro de bois.
O corso carnavalesco, ou simplesmente corso, é mais associado aos desfiles em veículos automotivos abertos e ornamentados, onde foliões, geralmente fantasiados, jogavam confetes, serpentinas e esguichavam lança-perfume nos ocupantes dos outros veículos e nos pedestres. Essa brincadeira de origem europeia é baseada nas batalhas de flores, uma sofisticada manifestação que ocorria na cidade de Nice, no sul da França, e teve início no Brasil na virada do século XIX.
Pelas próprias características, o corso é, por natureza, uma brincadeira exclusiva das elites, que possuíam carros ou que podiam pagar seu aluguel nos dias de carnaval. Em Atibaia, o primeiro automóvel (um Ítala) só percorreu as ruas da cidade em 1908, quando a epopeia foi devidamente registrada nas páginas do jornal. De São Paulo a Atibaia, o percurso demorou cinco horas de marcha efetiva e outras tantas na remoção de pedras e troncos que se encontravam pelo caminho.
A partir daí, o automóvel foi gradativamente ocupando os espaços dos bois, cabras e cavalos que perambulavam soltos pelas escassas ruas de Atibaia. Em 1909, teve início o primeiro serviço de transporte em automóvel, conduzido pelo Sr. Nicolino Naccarati, mas pouco depois ele desistiu da empreitada e voltou para São Paulo, em razão das péssimas condições das estradas.
Em 1913, foi inaugurada a primeira empresa de automóveis que cobriria as cidades de Piracaia, Bragança, São Paulo e Nazaré, ficando à disposição da população aos domingos, no largo da Matriz, para serem alugados para passeios a quem pudesse dispor de quinhentos réis. No ano seguinte, foi aberta a primeira garagem para consertos e venda de peças para manutenção de carros pelo Sr. Jayme Rankin, mas nada vingou. Todos os carros voltaram novamente para São Paulo e os troles voltaram a circular soberanos pelas ruas da cidade. Em 1916, a cidade recebeu a visita do ilustre inventor Santos Dumont, que fazia um ‘raid’ automotivo entre São Paulo-Ribeirão Preto. Em 1919, os proprietários do Hotel Central adquiriram dois automóveis para serviços de praça.
Dois anos depois, a cidade recebeu a visita de um inspetor da Agência Ford e, em 1924, foi instalada a primeira agência de automóvel em Atibaia: A Agência Ford, que ficava na Rua José Alvim, número 5. Ainda com poucos veículos, o primeiro corso automobilístico de Atibaia ocorreu em 1918, mas em 1924 já se notava o grande crescimento dessa manifestação em razão do aumento de automóveis circulando pela cidade. Tanto que o Prefeito Municipal da época, Octávio Passos, publicou: “Faz saber aos que o presente edital vir ou dele tiverem conhecimento que durante os três dias de carnaval determina, a fim de evitar acidentes, que todos os veículos que tomarem parte nas passeatas carnavalescas, durante os dias 2, 3 e 4 de março próximo futuro, obedeçam ao seguinte corso: rua José Alvim (subir); rua José Lucas e Visconde do Rio Branco (descer). No Largo da Matriz, os ditos veículos somente poderão fazer o circuito do coreto pelo lado esquerdo do mesmo, isto é: de quem desce da referida rua José Lucas.
Os mesmos veículos não poderão transitar pelas travessas que ligam as ruas supra referidas. Para conhecimento de todos lavrou-se o presente edital que vai ser publicado”. Como se nota, o corso ganhou a simpatia da elite local, que juntamente com os bailes fechados realizados nos clubes alegravam parte da sociedade atibaiana. As brincadeiras populares ficavam por conta do “formidoloso” Zé Pereira, que desfilava alegremente pelas ruas da cidade.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.