Serenatas atibaianas
Descendente direto dos trovadores medievais, as serenatas estão entre as mais antigas formas de expressão musical popular brasileira.
Márcio Zago
Os cronistas das duas primeiras décadas do século XX, vez ou outra, mencionavam em suas colunas os arroubos seresteiros de algum apaixonado. Estes pequenos textos publicados no jornal O Atibaiense eram quase sempre em tom de ironia. Também pudera! Contava-se no dedo os verdadeiros músicos existentes naquela diminuta urbe.
Com poucos instrumentistas, todo resto contribuía para o clima romântico do evento: o silêncio sepulcral; as ruas desérticas e mal iluminadas pelos lampiões ou pelas fracas lâmpadas elétricas. Nesse ambiente a cena musical da cidade experimentava, além das retretas, dos concertos e das audições musicais, as velhas serenatas em noites estreladas. Descendente direto dos trovadores medievais, as serenatas estão entre as mais antigas formas de expressão musical popular brasileira.
De acordo com o pesquisador e historiador musical José Ramos Tinhorão, esse gênero musical teve início nos tempos das Cruzadas, quando a música deixou os ambientes fechados das igrejas e castelos passando para ambientes externos e contextos diferentes. A partir do século XII se difundiu pela Europa, chegando a Portugal, onde ganhou o nome de Modinha. No Brasil chegouao século XVII com os colonizadores portugueses e aqui adquiriu novas feições e se estabeleceu principalmente em Minas Gerais e na Bahia, de onde se tem a primeira referência sobre uma serenata.
Uma das principais características dessa modalidade musical é ser apresentada à noite e ao ar livre, geralmente sob a janela de uma cobiçada dama. A despeito do clima sentimental e poético que o tema suscita, no ano de 1915, O Atibaiense publicou uma nota nada romântica. Com o título “As serenatas”, o texto dizia: “De um nosso assinante recebemos uma carta na qual nos pede encarecidamente para reclamarmos a quem de direito competir, a fim de cessarem as incômodas serenatas todas as noites das 11 às 12 horas nas ruas José Alvim e José Lucas.
Diz nosso missivista: As serenatas, lá uma vez ou outra é agradável, principalmente quando ouvimos uma chorosa valsa executada numa clarineta ou flauta, ou mesmo por outros instrumentos, mas as que nos atormentam são feitas com a malvada sanfona, cantos com voz rachada, acompanhados ao som de um violão muito desafinado. É intolerável, é insuportável, nos tira o sono e nos dá desespero! Aí fica a reclamação conforme nos pediu o nosso velho assinante, esperando que o digno Dr. Delegado de Polícia, solícito como é, atenda a justa reclamação”. Como se vê, a serenata não era unanimidade no gosto musical de nossos antepassados ese mal executada, era caso de polícia.
Mas se em Atibaia a serenata não contou com a vocação inicial, o mesmo não aconteceu em Conservatória, uma cidadezinha do Rio de Janeiro conhecida como “a cidade da serenata”. Nesse pequeno lugar tudo gira em torno da seresta e abriga as lembranças de um nosso velho conhecido: O Museu Silvio Caldas. Para quem não sabe o músico morou em Atibaia em seus derradeiros anos, onde colecionou amigos e admiradores. Silvio Caldas, conhecido como “O seresteiro do Brasil” personaliza, sem dúvida,nossa melhor aproximação com o tema.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.