Incêndios Florestais em Atibaia: prejuízos sociais, econômicos e ambientais

O potencial destrutivo do fogo é impressionante: basta uma pessoa mal intencionada com um fósforo ou isqueiro e uma área de floresta é queimada em alguns minutos. Foto divulgação

* Autor: José Guedes

Em 2021 a Associação Serra do Itapetinga Movimento pela Biodiversidade e Organização dos Setores Ecológicos (SIMBiOSE) já combateu 60 incêndios florestais na Serra do Itapetinga. Esta bela serra que abriga a Pedra Grande, símbolo da cidade de Atibaia, possui três unidades de conservação: Parque Estadual do Itapetinga, Monumento Natural Estadual da Pedra Grande e Parque Natural Municipal da Grota Funda. Dessa maneira, a atuação da Brigada Voluntária Itapetinga mantida pela SIMBiOSE envolve estas unidades de conservação e suas zonas de amortecimento.

Nos últimos dias, de 07 a 16 de agosto a SIMBiOSE combateu nove incêndios na região da Serra do Itapetinga, do qual três chamaram a atenção da sociedade local e da mídia regional. O primeiro aconteceu no sábado (dia 07) no terreno da antiga Cooperativa Sul Brasil e o segundo na quarta-feira (11/08) no começo da trilha da Minha Deusa. É importante ressaltar que o incêndio na trilha da Minha Deusa retornou no sábado (dia 14/08) e foi rapidamente combatido pela SIMBiOSE e bombeiros civis da Fundação Florestal. Estes incêndios resultaram em prejuízos sociais, econômicos e ambientais para a sociedade atibaiense e tiveram origem humana.

O potencial destrutivo do fogo é impressionante: basta uma pessoa mal intencionada com um fósforo ou isqueiro e uma área de floresta é queimada em alguns minutos. Essa questão envolve raízes culturais e educacionais profundas no Brasil, a qual este texto não pretende aprofundar. A intenção aqui é debater os múltiplos prejuízos sociais destes incêndios florestais em um dos principais atributos ambientais de Atibaia, a Serra do Itapetinga, e a relação com as questões globais como as mudanças climáticas.

Estes incêndios do dia 07 e 11 de agosto afetaram áreas com florestas em processo de regeneração, brejos e matas ciliares (ou seja, próximas aos corpos d’água). Estas matas são abrigos importantes para espécies da fauna local, como o sagui da serra escuro, um primata ameaçado de extinção presente em nossa Serra. Além dessa espécie há diversas outras afetadas pelo fogo. O prejuízo à flora local também é sério, pois a floresta ao redor das trilhas da Minha Deusa e Mangueira era composta por espécies pioneiras e secundárias, como cambarás, pau-jacarés, alecrins-do-campo, entre outros. Por sinal, pergunto: vocês conhecem estas espécies pioneiras da nossa flora?

Longe de querer menosprezar o conhecimento botânico das (os) leitoras (es), mas eu diria que uma parte significativa das pessoas não conhecem essas espécies. Se as pessoas não conhecem essas plantas mais comuns, talvez um número ainda menor conheça a mata de jequitibás com bromélias, orquídeas e as amarílis raras da Serra do Itapetinga. Então, como as pessoas contribuirão com a conservação de algo que não conhecem?

Estes impactos na fauna e flora são visíveis e costumam ter um forte apelo na opinião pública. Além disso, há muitos outros impactos ambientais que precisam ser ressaltados e debatidos:o impacto na produção de água local, a formação de erosões pela perda de vegetação e a emissão de gás carbônico e outros elementos químicos para a atmosfera. Recentemente o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou que a alteração do clima da Terra já uma realidade (https://www.oeco.org.br/reportagens/mudancas-climaticas-ja-afetam-todas-as-regioes-do-planeta-afirma-ipcc/). Cada incêndio deste é uma contribuição da nossa sociedade para agravar uma situação irreversível em curto prazo.  Com isso, provoco mais uma vez os leitores: o que cada um de nós tem feito para reduzir o nosso impacto na atmosfera?

Os impactos na produção de água precisam ser mais bem esclarecidos. Temos algumas nascentes e córregos nessas áreas dos incêndios dos dias 07 e 11, porém não pretendo bater o martelo sobre essa questão. Acredito que isso é um tema de pesquisa importante com impacto direto na sociedade. O fato é que com a perda de cobertura vegetal aumenta-se a chance de erosão do solo e com isso podemos ter nascentes e corpos d’água cobertos por sedimentos. Dessa maneira, a vazão d’água diminui e agrava a produção de água da Serra.

Vivemos mais um ano de crise hídrica, que pode ficar ainda pior no próximo ano, e cada nascente precisa ser conservada. Outro ponto importante para compreendermos melhor é a capacidade do solo em absorver a água da chuva. Há evidências que um solo recém-queimado possa prejudicar este processo hidrológico, sendo este mais um tópico de pesquisa fundamental. Com menos água abastecendo a ‘caixa d’água’ que é o solo, menos água teremos disponível para as nossas casas.

Toda essa argumentação acima se refere a questões ambientais e também socioeconômicas. É importante ressaltar: não existe uma divisão entre sociedade e natureza, economia e ecologia! Nessa linha de raciocínio pude perceber alguns pontos após estes dois incêndios: os impactos na infraestrutura urbana, na saúde pública e no turismo.

Na quinta-feira (12/08) voltei na área queimada da trilha da Minha Deusa e pude observar uma empresa de telecomunicações realizando a troca de seus cabos no condomínio Arco Íris. Alguém sabe mensurar o prejuízo econômico disto? Quanto custa trocar os cabos de internet que foram danificados? Some-se a isso o fato de que possivelmente algumas pessoas estavam trabalhando de home office e precisavam da internet para resolver seus ofícios. Será que alguém foi prejudicado por esse dano a infraestrutura? Possivelmente sim e sabe-se lá que tipo de trabalho as pessoas desenvolviam e o quanto pode ter perdido com isso.

O incêndio no terreno da antiga Cooperativa Sul Brasil, muito próximo do condomínio Flamboyant e da Avenida Santana, gerou uma enorme quantidade de fumaça que deve ter adentrado na casa de centenas de pessoas. Uma pergunta: será que alguém precisou ser hospitalizado por problemas respiratórios relacionados à inalação de tanta fumaça? Não tenho certeza, mas é provável que isso tenha ocorrido. Ou seja, incêndios florestais próximos às áreas urbanas também constituem um problema de saúde pública!

Passamos por um triste momento de pandemia em que centenas de milhares de pessoas morreram no Brasil por falta de ar! A fumaça destes incêndios prejudica as vias respiratórias e podem agravar a saúde de pessoas que se encontram em situação de saúde delicada. Ademais, neste momento de seca intensa, a umidade do ar se encontra próxima dos 30%, quando o ideal para vida humanaé próximo dos 60%. Portanto, mais um agravamento na saúde coletiva. Mais uma vez: os incêndios florestais também são um problema de saúde pública e podem resultar em hospitalizações. Mais pessoas internadas resultam em mais gastos públicos.

No sábado (14/08) pude voltar à trilha da Minha Deusa e visitar a Gruta São José. Segundo os dados da SIMBiOSE, quase 200 pessoas subiram este trilha para chegar à Pedra Grande. Pude ouvir algumas pessoas comentando sobre o incêndio que havia ocorrido e acho que não houve nenhum trilheiro feliz com o que viu. Fico com a impressão de que as pessoas podem questionar o quanto o município de Atibaia cuida do seu principal atributo ambiental, que é a Serra do Itapetinga. Com isso, um incêndio como este pode prejudicar a imagem de uma cidade com alto fluxo turístico. Conservar este nosso ambiente é também garantir uma boa experiência aos turistas.

Detalhe importante: no sábado (14/08) o incêndio voltou na trilha da Minha Deusa! Ele foi rapidamente combatido pela SIMBiOSE e Fundação Florestal e apagado em minutos. Porém, imagine se um turista inexperiente que subiu a trilha da Minha Deusa fosse encurralado pelo fogo? Recentemente tivemos uma visitante removida da trilha por helicóptero, pois quebrou a sua perna. Graças a Deus nenhum trilheiro sofreu acidente com o fogo e esperamos que não aconteça no futuro. Porém, imaginem o impacto de uma notícia como essa na mídia…

Há diversos reflexos de incêndios florestais na economia local e cito mais uma: a valorização imobiliária em Atibaia promovida pela Serra do Itapetinga. De maneira geral, os terrenos neste município têm valores muito maiores quando comparados com cidades vizinhas. Há um fator que explica isso e se chama Serra do Itapetinga. Muitas pessoas procuram morar em Atibaia pela qualidade da cidade e não há dúvidas que a Serra contribui para essa qualidade de vida. Manter esta montanha conservada é cuidar da imagem da cidade e consequentemente do seu aquecido mercado imobiliário.

Imagino que o leitor pode estar cansado com o tamanho do texto. Peço desculpas, mas são muitos argumentos para dizer o seguinte: a Serra do Itapetinga com suas florestas e água contribui ativamente com a economia da cidade. Deixá-la pegar fogo é uma perda de ativo econômico.

Concluo com o seguinte encaminhamento: Atibaia precisa cuidar melhor da Serra do Itapetinga. Temos algumas ideias e sugestões para tal. Esperamos que esse texto desperte esse interesse. Há questões de saúde pública, turismo e até de segurança pública, isso sem falar na questão ambiental. Um pensamento integrado pode aliar diversas pastas do governo municipal e estadual para tal propósito.

 

* José Guedes é morador de Atibaia, ecólogo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e doutorando em Ecologia Aplicada na Universidade de São Paulo. Atua na SIMBiOSE desde 2018 na escrita de projetos e no combate aos incêndios florestais na Serra do Itapetinga.