O corpo que educa
Porque nosso corpo é cápsula da vida que não pede licença para enviar seus sinais.
Anna Luiza Calixto
Antes da palavra, vem o corpo. Sem formalização alguma, vem o olhar, o toque, o jeito como alguém nos acessa. Nós aprendemos primeiro com a pele, muito antes de aprender com os livros. E é por isso que eu insisto: o corpo educa. Sempre. Mesmo quando não na camada da consciência.
Uma criança lê o mundo pelas intensidades. Lê o tom de voz mais do que a frase. Lê a expressão do rosto mais do que a regra que querem lhe impor. Lê o ritmo da casa, se é de medo, de pressa ou de cuidado.
E nós, adultos, seguimos acreditando que educar é discursar. Mas educar é, sobretudo, imprimir no cotidiano a forma como queremos que essa criança exista no mundo.
Quando uma mãe se olha no espelho com desprezo, a criança aprende. Quando um pai engole o choro porque “homem não chora”, a criança aprende. Quando alguém se esconde dentro de roupas que não gosta, ou pede desculpa por ocupar espaço, a criança aprende.O corpo fala verdades que a boca não tem coragem de pronunciar.
Por isso, quando falo de educação sexual, muita gente pensa que se trata apenas do diálogo. Não é. Educação sexual é observar o que o corpo diz quando a boca cala. É perceber que uma criança entende o sentido do consentimento quando um adulto respeita seu “não” na hora do abraço. É saber que autonomia se ensina quando ela tem o direito de escolher a própria roupa, de nomear o próprio desconforto, de sentir o que for sem ser ridicularizada.
A verdade é que crescemos cercados de corpos disciplinados: encolhidos, tensos, vigiados. Corpos que aprenderam a pedir licença para existir. E aí tentamos ensinar liberdade usando gestos de controle. Não funciona: ninguém aprende coragem com quem tem medo.
O corpo que educa é aquele que assume sua história e mostra que crescer é possível em qualquer idade. Que pede desculpas quando falha e respira fundo quando o dia exige demais. Que reconhece limites sem culpa. Que permite o descanso, o prazer, a pausa.
A criança que convive com um corpo assim entende que a vida não é feita para caber, mas para expandir. Que o afeto não precisa ferir. Que o toque pode ser cuidado e não invasão. Que existir inteira não é arrogância: é direito.
No fim das contas, somos educadores mesmo sem querer. Somos roteiros sobre o que é amar, temer, confiar, se proteger, se revelar. E quando percebemos isso, algo muda: paramos de buscar a perfeição e começamos a buscar presença. Uma presença que acolhe, que escuta, que diz a verdade com o corpo inteiro.



