HISTÓRIAS DE ATIBAIA – Interferências da política na Cultura sempre existiram

Desde o início do século XX, decisões políticas influenciavam diretamente a criação, a continuidade ou a extinção de iniciativas culturais frequentemente utilizados como instrumentos de persuasão e disputa de poder.

 

 

Márcio Zago

A interferência de interesses pessoais e ideológicos nas ações culturais da cidade não é um fenômeno recente. Desde o início do século XX, decisões políticas influenciavam diretamente a criação, a continuidade ou a extinção de iniciativas culturais frequentemente utilizados como instrumentos de persuasão e disputa de poder. No livro “Palavras de Ontem e de Hoje”, o saudoso professor Guilherme Contesini relata um episódio ilustrativo dessa situação: “Ouvi de certo cidadão atibaiano, testemunha ocular daquele acontecimento, que, nesta data, 24 de outubro de 1931, a corporação musical saiu pela primeira vez pelas ruas da cidade com seu vistoso uniforme branco. A banda estacionou em frente ao bar de Sílvio Russomanno, dando os músicos as costas para o Cine República. A Banda 1º de Março replicava: estacionava diante do Cine República, dando as costas para o bar do Sílvio. A rivalidade política da época transparecia até mesmo nesses pequenos gestos…” Como se nota, o bar de Sílvio Russomannoe o Cine República simbolizavam posições políticas antagônicas na cidade, assim como as corporações musicais.
Essa rivalidade, que ultrapassava o campo artístico, ficou marcada na memória popular como a eterna disputa entrea “banda branca” e a “banda preta”. Anos depois, em 1946, a influência politica agia de outra forma – Não tocava nem uma banda enem a outra – e o jornal O Atibaiense assim se manifestou: “Há quanto tempo que não temos o prazer e a satisfação de ouvir um concerto em praça pública, por uma das bandas da cidade… E isto por quê? Por vários motivos. Por questões políticas, as quais são de conhecimento de todos, mas que não deviam interferir, de maneira alguma, em tudo aquilo que dissesse respeito ao povo, sem distinção de classes e partidos políticos-religiosos. Porque, afinal de contas, adeptos do partido “A” ou “B”, todos eles são filhos ou moradores de Atibaia. Os interesses de nossa terra precisam ser elevados acima do todo e qualquer interesse particular. Isto se chama democracia…”. Demorou muito tempo até a cultura começar a ter um tratamento mais isento nas questões politicas-partidárias.
Num passado recente a criação da primeira politica pública do país, o Sistema Nacional de Cultura, passou a fornecer respaldo jurídico contra o atendimento de balcão, asobreposição das preferencias ideológicas e o uso da máquina pública para interesses pessoais por parte de quem detém o poder. As ferramentas estão à disposição e cabe a sociedade civil o amadurecimento necessário para fazer valer esse direito.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.