Desaprendemos a dizer não para nossa geração
Entre o medo de desagradar e a necessidade de pertencer, a exaustão virou modo de existir.

Anna Luiza Calixto
Numa entrevista de TV, a eterna atriz Marília Pêra foi questionada sobre sua facilidade de dizer não e, enfim, impor limites. Ao rebelar ser fácil, ouviu: “Ah, mas você diz não porque é a Marília Pêra, né?” e respondeu: “Não, meu bem, é o contrário: eu sou a Marília Pêra porque digo não.”
Tem uma geração inteira adoecendo por gentileza e precisando aprender com Pêra. Pessoas que confundem disponibilidade com amor, presença com obrigação, e cuidado com submissão. Crescemos acreditando que dizer “sim” era o caminho mais rápido para sermos aceitos. Agora estamos cansados, tentando reaprender o limite entre o que é generosidade e o que é autoabandono. E é claro que o recorte de gênero está presente aqui, considerando que para nós, mulheres, a docilidade é incutida como norma.
Vivemos o tempo da hiperconexão e da presença digital constante. A frase “tô sempre por aqui” virou um tipo de performance afetiva. Mas ninguém aguenta estar “por aqui” o tempo todo. Estamos exaustos de manter conversas abertas, vínculos mal resolvidos e expectativas que se multiplicam em silêncio. O corpo cobra, o sono falha, e a mente grita, ainda que a voz tente sussurrar que “tá tudo bem”.
Aprender a dizer “não” não é frieza. É cuidado. É reconhecer que amor sem limite vira dependência, e que empatia sem pausa se transforma em peso. Há uma diferença enorme entre ser disponível e ser esponja. Quando absorvemos tudo — a dor do outro, a culpa, as urgências — deixamos de existir como sujeito para virarmos cenário da vida alheia.
O problema é que o mundo nos aplaude quando nos apagamos. A produtividade confunde cansaço com mérito e renúncia com lealdade.Então seguimos sorrindo, disponíveis, acessíveis, mesmo quando o coração pede distância, mesmo quando o corpo quer pausa.
Dizer “não”é um ato de amor radical. Não apenas com os outros, mas com nós mesmos. É lembrar que o tempo é finito, e que presença sem vontade é uma forma de ausência. É sustentar o desconforto de decepcionar, sem precisar se punir por isso. É entender que quem te ama de verdade vai continuar ali — mesmo quando você some pra respirar.
Talvez o grande desafio da nossa geração não seja aprender a amar melhor, mas a se proteger sem culpa. E talvez o primeiro passo seja simples, ainda que difícil: voltar a dizer “não”. Com calma, com carinho, mas com firmeza.
E acrescento por fim: se temos medo de dizer não e sermos rejeitados, estamos acostumando quem está ao nosso redor a não nos amar, mas amar o que fazemos por eles.



