HISTÓRIAS DE ATIBAIA – Nem tudo eram flores no Cine República em Atibaia nos anos de 1940
Em 1946, o jornal O Atibaiense publicou uma dura crítica à empresa, valendo-se da coluna semanal “Atibaia Antiga”, dedicada a relembrar notícias antigas do próprio jornal, publicada décadas antes.
Márcio Zago
Nos anos 1940, o Cine República reinou soberano em Atibaia, até a chegada do Cine Itá, em 1950. Sem concorrência direta, o único cinema em atividade na cidade era alvo constante de reclamações do público. Em 1946, o jornal O Atibaiense publicou uma dura crítica à empresa, valendo-se da coluna semanal “Atibaia Antiga”, dedicada a relembrar notícias antigas do próprio jornal, publicada décadas antes.
Na edição em questão, o destaque foi uma matéria sobre a qualidade das exibições no antigo Popular Cinema — o segundo cinema construído em Atibaia, inaugurado em 1913. A comparação deixava evidente a insatisfação do jornal com o Cine República e a nostalgia em relação ao Popular, considerado mais organizado e eficiente. A qualidade das projeções sempre foi um desafio para os exibidores, especialmente antes da chegada do som sincronizado — outro obstáculo técnico de grandes proporções. As falhas eram tão frequentes que, no início do século XX, os anúncios de cinema costumavam ressaltar como grande atrativo a promessa de “projeção sem as incômodas trepidações”, o que, como se vê, nem sempre se cumpria.
Além da má qualidade das projeções, a desorganização do Cine República também irritava o público. O Atibaiense relatou: “Em certa sessão, foi-me impossível compreender a causa que originou um fato interessante: principiou a ser projetado um filme, que logo mais ‘desapareceu’. Em seu lugar surgiu um filme de cowboy e, sem terminar este, cedeu a vez a um seriado. E o que dizer de um trailer passado de cabeça para baixo? Quanto aos cortes, chega-se a não entender o enredo, não compreendendo o filme em todo o seu transcorrer. As interrupções são feitas duas, três e até mais vezes, o que provoca vaias, assobios etc. Resultado: uma noite perdida, uma dor de cabeça ganha e um mau humor que não nos abandonará tão cedo…”O prédio também era alvo de críticas. Em razão da má conservação, uma das paredes chegou a desmoronar — felizmente sem ferir o público presente. Aquela situação em nada lembrava os tempos áureos do Cine República, quando fora considerado um dos mais bonitos e bem equipados por ocasião de sua inauguração.
A crítica do Atibaiense mencionava ainda o preço dos ingressos, comparável ao dos melhores cinemas da capital, o que tornava injustificável, segundo o jornal, o descuido com o público e as falhas técnicas recorrentes. Mas, entre vaias, assobios e trepidações, o Cine República fez história. Foi ali que muitos atibaienses assistiram, pela primeira vez, a um faroeste, a um drama romântico ou a uma comédia de Chaplin. Mesmo com todas as deficiências apontadas, o cinema marcou uma geração inteira, que aprendeu a sonhar diante da luz tremida do projetor. De certo modo, o Cine República foi um retrato fiel de sua época: improvisado, barulhento, cheio de falhas e, ainda assim, irresistível.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.



