HISTÓRIAS DE ATIBAIA – O Capitão Texas realmente existiu?

O assunto já foi tema de escritores como Renato Zanoni, Carlos Alberto Pessoa Rosa e outros, mas é quase impossível não retornar a ele pelo inusitado dos fatos e pela dimensão que o caso ganhou entre os moradores e na imprensa local. Era 1946.

 

Márcio Zago

Entre as lendas, causos e histórias do imaginário local, verdadeiras ou não, está a do capitão Texas. Esta, verdadeira e fartamente documentada nas páginas do jornal O Atibaiense. O assunto já foi tema de escritores como Renato Zanoni, Carlos Alberto Pessoa Rosa e outros, mas é quase impossível não retornar a ele pelo inusitado dos fatos e pela dimensão que o caso ganhou entre os moradores e na imprensa local. Era 1946.
O fim recente da Segunda Guerra ainda deixava marcas profundas no imaginário coletivo. Foi nesse contexto que o jornal anunciou pela primeira vez a presença do misterioso oficial: “Está entre nós, hospedado na Estância Lynce, em estação de repouso, o Capitão J. Texas Ribeiro, distinto oficial da FAB, que fez estágio nos Estados Unidos e na Itália, defendendo o Brasil nessa guerra. S.S. honrou-nos com a sua visita, encantando-nos com sua afabilidade e modéstia (…)” Quinze dias depois surgiu novo artigo, desta vez registrando a visita do capitão à redação do jornal.
Na ocasião, ele comentou sobre o terreno destinado à construção do futuro campo de aviação da cidade: “Muito prometem eles em vista de sua fácil terraplanagem e do vento predominante sudoeste, que virá concorrer para que esta linda cidade receba constantemente a visita dos maiores e melhores aviões da FAB, como o P.40, o B.T. 15 e os populares Douglas, que estiveram em ação na Itália sob o comando de pilotos nacionais (…)”.Não demorou muito para o capitão cair nas graças na população local, principalmente após um fato inusitado que fez o militar ganhar novamente destaque nas páginas do jornal.

 

 

 

Desta vez com o título “Um Herói”: “Publicamos com prazer a fotografia do Capitão da Aeronáutica José Texas Ribeiro, pelo ato praticado há dias, ao salvar a vida em perigo de um pobre rapaz atropelado. Fazendo nossas as palavras bem ditas do Tenente Montezuma, aqui deixamos consignados os agradecimentos da terra reconhecida e da família da vítima, que deve a vida do seu ente querido a esse bravo e já estimado entre nós excombatente nos campos da Itália”. O Tenente Montezuma, citado no texto, era um militar que mantinha uma coluna no Atibaiense que, na ocasião do acidente, fez um longo e elogioso artigo sobre o fato. Segundo relatou, um jovem fora atropelado em Atibaia e, para sua sorte, o Capitão Texas estava presente para prestar os primeiros socorros. Utilizando-se de sua influência, o militar teria acionado a Aeronáutica para enviar um avião que transportaria o ferido à capital, a fim de ser operado.
Como o pouso não foi possível, uma ambulância militar foi deslocada garantindo a transferência do paciente para São Paulo.Esse episódio bastou para “canonizar” o capitão perante a comunidade. Para as mocinhas ele encarnava o verdadeiro galã saído das telas do cinema: tinha nome cinematográfico, boa aparência, um elegante uniforme da Aeronáutica e um chamativo carro Mercury Club-Coupe 1946, no qual desfilava pelas tranquilas ruas da cidade. Um personagem perfeito para alimentar sonhos e fantasias de uma pequena cidadezinha com pouco mais de 20 mil habitantes. Mas seu reinado durou pouco. No final de outubro O Atibaiense informou a verdade dos fatos: O Capitão Texas era um fugitivo da prisão da Base do Galeão. O MercuryClub-Coupe, roubado. As fardas, insígnias, medalhas e outros adereços… Todos falsos. Embora ludibriado, assim como a cidade inteira, O Atibaiense teve uma saída honrosa. A descoberta do golpe só foi possível graças a foto publicada semanas antes com o título “Um Herói”. O jornal circulou na capital e aquela imagem chamou a atenção de um oficial da aeronáutica que,desconfiado, tomou suas providências. No final da históriao malandro foi preso, o jornal ganhou prestígioe a cidade teve muito assunto pra falar… E por muito tempo.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.