HISTÓRIA DE ATIBAIA: As primeiras mulheres a participarem das congadas de Atibaia
Na mesma época, temas como separação e divórcio começavam a aparecer com maior frequência nas páginas do jornal, refletindo as transformações sociais em curso.
Márcio Zago
No início de 1956, o jornal O Atibaiense publicou um interessante artigo intitulado “Feminismo…”, assinado apenas pela letra W, o que impossibilita saber se foi escrito por um homem ou por uma mulher. O texto abordava a recente inserção feminina nas festas de São Benedito e de Nossa Senhora do Rosário, ocorrida no final de 1955 — uma presença inédita até então. Na mesma época, temas como separação e divórcio começavam a aparecer com maior frequência nas páginas do jornal, refletindo as transformações sociais em curso.
O artigo dizia: “A nota sensacional das festas tradicionais deste fim de ano foi, sem dúvida, o aparecimento de duas representantes das filhas de Eva, tanto nas Cavalhadas, ou melhor, no Encontro, como também em um dos bandos de congos. Aliás, isso tinha fatalmente que acontecer em virtude do gradativo desaparecimento entre nós dos velhos preconceitos, em respeito aos quais eram admitidas outras atividades para a mulher, senão as que se relacionassem diretamente com a organização da família e ocupações domésticas…” No universo da cultura popular, a maioria das manifestações era composta predominantemente por homens — como as cavalhadas e as congadas — o que explica a “surpresa” diante da presença feminina em 1955.
O texto do jornal destacava os avanços sociais que possibilitaram essa participação crescente das mulheres em diferentes esferas da vida pública e privada. Na educação, por exemplo, a introdução de cursos técnicos especializados abriu espaço para novos campos de trabalho, ainda que restritos a certas profissões como enfermeiras, secretárias, arquivistas, contadoras etc. Na política, notava-se uma presença feminina cada vez mais significativa nas assembleias legislativas e em cargos do Executivo, com destaque para as primeiras prefeitas e deputadas do Estado de São Paulo. Até em situações adversas, como no contexto militar, havia registros da atuação das mulheres como enfermeiras nas Forças Expedicionárias durante a Segunda Guerra Mundial.
Essas mudanças foram resultado de diferentes ondas de lutas e conquistas protagonizadas por mulheres ao longo do tempo. O movimento feminista teve início entre o final do século XIX e o começo do século XX, com a chamada primeira onda, marcada pela luta sufragista. Seu foco estava na igualdade jurídica e política entre homens e mulheres — especialmente no direito ao voto, ao trabalho e à educação. No Brasil, o direito ao voto e à elegibilidade só foi conquistado em 1932, com o Código Eleitoral promulgado durante o governo de Getúlio Vargas, após intensa mobilização de ligas femininas, associações e grupos organizados.
A segunda onda, a partir dos anos 1960, ampliou as pautas do feminismo para incluir questões relacionadas à sexualidade, direitos reprodutivos (como aborto e contracepção), autonomia corporal e o rompimento com os papéis de gênero tradicionais. Já a terceira onda, surgida nos anos 1990, passou a enfatizar a diversidade de identidades de gênero e sexualidade, o combate ao racismo e ao sexismo. Em Atibaia, a participação feminina nas congadas vem crescendo significativamente desde então, assumindo um papel fundamental na manutençãoe preservação da manifestação. Provavelmente sem a presença das mulheres, seja como dançante, seja na liderança e na organização dos batalhões, as congadas de Atibaia não existiriam mais. Um exemplo recente vem da Congada Vermelha do bairro do Portão que, durante um dos dias das festividades de final do ano de 2024, percorreu o trajeto religioso com aproximadamente trinta mulheres e apenas quatro homens— uma inversão simbólica e histórica na configuração tradicional desses grupos.



