HISTÓRIAS DE ATIBAIA: “O Relógio da Matriz”: O regulador maluco
A matéria foi escrita a pedido do próprio jornal, que convidou um antigo morador do município a compartilhar suas lembranças da cidade. O resultado foi o texto “O Relógio da Matriz”. Suas memórias começavam no final do século XIX e início do XX, quando Atibaia ainda carregava a pecha de “cidade triste”, atribuída por Afonso de Carvalho.
Márcio Zago
O relógio da Igreja Matriz já teve seus dias de glória. Hoje, em tempos de celulares e relógios de pulso, poucos ainda levantam os olhos para ele em busca de orientação. Mas nem sempre foi assim. Em 1926, o jornal O Atibaiense publicou uma crônica curiosa sobre esse velho e familiar marcador do tempo. A matéria foi escrita a pedido do próprio jornal, que convidou um antigo morador do município a compartilhar suas lembranças da cidade. O resultado foi o texto “O Relógio da Matriz”. Suas memórias começavam no final do século XIX e início do XX, quando Atibaia ainda carregava a pecha de “cidade triste”, atribuída por Afonso de Carvalho.
O texto evocava imagens melancólicas: “Pesava um silêncio sobre os telhados negros, e a monotonia do espaço cortava-se apenas, de quando em vez, com um voo de andorinhas que passavam, trinando, da torre esguia daquele templo para os largos beirais, ou dos largos beirais para a torre esguia, hoje substituída por essa que ali vemos.”(O texto se referia a torre da Matriz).
Na sequência, o autor escreveu sobre o progresso que, aos poucos, foi se impondo: a chegada da fábrica de tecidos, o desenvolvimento do comércio, o surgimento do cinema — elementos que trouxeram vida nova às antes pacatas ruas da cidade. Mas, em meio a tantas mudanças, um problema havia: o relógio da Matriz.
Naquela épocaos relógios eram chamados de reguladorese os reguladores portáteis ainda ocupavam as algibeiras de uns poucos moradores. Daí a importância que o velho relógio da torre da Matriz assumia para os habitantese visitantes daquela época. O problema era que, às vezes, o relógio enlouquecia.
O texto continuava: “Durante todo dia de São João, por exemplo, os ponteiros emperram nas seis e cinco. Quando andam, seria natural que conservassem a andadura natural. Nada disso – Eles mancam e ora atrasam, como a Estrada de Ferro Central, ora adiantam, numa disparada como os autos que regressam de Caetetuba a hora do trem. As horas também se entendem destinadas a bater. Estas não! Batem de vez quando. Se batem, seria de se esperar que desse a hora certa. Qual história! Estas batem quando querem, e aquilo que querem, caprichosamente. Quando lhes cumpre soar três, batem oito; quando batem oito deveriam ter batido meio dia ou meia noite. Ao menos vivessem as badaladas de harmonia com os ponteiros… Não vivem! Ponteiros e badalos andam às turras, como se pertencessem a Liga das Nações”.
O delicioso texto, provavelmente mexeu com os brios das autoridades e meses depois o mesmo Atibaiense publicou em destaque: “Completamente reformado, funcionando regularmente e já se acha novamente instalado o relógio da Matriz. Promete agora ser o verdadeiro regulador público, e com isso nos contentamos, pois já se ressentia a sua falta.”Bons tempos em os problemas da coletividade se resumiam aos destemperos dos reguladores!
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.



