O teatro local resiste
Márcio Zago
Este texto dá continuidade à história do teatro de Atibaia, naquele longínquo ano de 1907. Em novembro o grupo de amadores locais, liderados pelo Calixto Rinaldi, encenou a peça “Guia da Montanha”, um drama de costumes franceses com dois prólogos e cinco atos.
A peça quase teve boa aceitação, não fosse às seis horas de duração. Isso mesmo, seis horas de duração! Ela começou às 08h30min e terminou às 2h30min do dia seguinte. No jornal “O Atibaiense” a critica destacava: “(…) Não fora, porem, o extenso desenvolvimento da ação, que se desenrolava em sete ou oito atos, tudo teria corrido às mil maravilhas. É forçoso, entretanto, confessarmos que no quarto ato em diante, os espetadores já fatigados e bem tocados de sono pelo adiantado da hora, começaram a abandonar a plateia (…)” E concluiu: “Prossigam na mesma vereda, mas, é bom que tenham o cuidado de escolher, doravante, peças menos longas”. Para o mês seguinte as peças escolhidas foram”A Justiça de Deus” e a comédia “O Calixto Medroso”.
Não há qualquer referencia sobre elas, mas supõe-se pelo nome que a comédia foi escrita por, ou para, o Calixto Rinaldi, que naquele momento encabeçava o grupo teatral. A peça foi um desastre. Quase ninguém compareceu no Teatrinho, talvez porque o público ainda estivesse traumatizado em razão da última experiência vivida naquele espaço semanas antes.
No inicio do ano seguinte à colônia italiana de Atibaia recebeu um espetáculo exclusivamente para eles. Tratava-se da trupe do Senhor Pedro Altieri, formado somente por italianos. Nos poucos dias de permanência na cidade os artistas foram muito bem recepcionados, obtendo casa cheia todos os dias em razão da grande participação da colônia. O destaque do espetáculo foi à comédia “Il Banbino de um ano”, na qual o Pedro Altieri se revelou um grande transformista, impressionando o público pela agilidade e competência com que representava diferentes papéis.
O gênero transformismo era muito apreciado na época. Dias depois foi à vez da companhia dramática dirigida pelo ator e diretor Ferreira da Silva visitar Atibaia. A companhia também foi muito bem recebida e mereceu um extenso e elogioso artigo no jornal. A critica destacava a performance dos atores Santos Silva, Lucia Fernandes, Abdom Silva, Carlos Dourado, Clodomiro e Florisbella Teixeira. Um detalhe dessa crítica foi à preocupação quanto à estrutura física do Teatrinho, alegando que a companhia foi prejudicada em razão do diminuto palco para tantos personagens, mas chamava a atenção para a melhoria no comportamento do espectador: “O espetáculo correu na mais perfeita ordem, aplaudindo os atores somente quando justamente mereciam, sem exagero nem tumulto.
Que assim seja sempre”. Ficava para trás o tempo em que a algazarra, os assobios e os comentários fora de hora eram motivo de muita reclamação por parte de parte da elite frequentadora do espaço. O teatro ganhavaa compreensão do público em relação à especificidade da linguagem. O casal Alexandre e NievesPaganelli, que tanto contribuíram para o desenvolvimento da cena teatral do município a frente do Grupo Dramático Carlos Gomes, já não participava das encenações. Outros amadores tomavam o lugar, como Calixto Rinaldi, que aos poucos aprendia o segredo da “arte de Talma” através do novo grupo teatral que acabava de organizar na cidade: oGrupo Dramático de Amadores ou Sociedade Dramática. No Teatrinho do Mercado a velha iluminação de acetileno, que substituiu a iluminação a querosene, também ficava obsoleta. A grande novidade era a eletricidade e como espaço de vanguarda local, o teatrinho não poderia ficar de fora.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.