Os primeiros registros do carnaval atibaiano
Por Márcio Zago
Na primeira década do século XX o carnaval de Atibaia viveu momentos de glórias e indiferenças. Em 1903 as páginas do jornal “O Atibaiense” informavam que as homenagens ao rei Momo passaram totalmente despercebidas e resumidas a “quilos de confetes atirados a esmo por algumas crianças e duas mariolas* de máscaras, que percorriam as ruas da cidade perguntando – Você me conhece?”.
De origem carioca, a pergunta era comum entre a população que brincava o carnaval, uma espécie de senha, onde em voz de falsete o anônimo mascarado poderia vingar-se de seu desafeto, ridicularizando-o ao revelar segredos em público. Transgressões de uma época em que o carnaval era conhecido como entrudo.
No ano seguinte foi anunciada a junção de duas agremiações sociais a fim de fomentar o carnaval local: O Club Recreativo Atibaiano, existente há sete anos, e a recém fundada Sociedade Recreativa Carlos Gomes. Na programação do “bem organizado congresso carnavalesco o furibundo Zé Pereira”, que saindo do teatrinho prometia percorrer as ruas da cidade. Nas noites de domingo e terça feira aconteceria, nas dependências do Club Recreativo, o esperado baile a fantasia para deleite da elite local.
Em artigo do jornal “O Atibaiense” a descrição do acontecimento: “Jubilosos devem estar os seus dignos promotores, por que, nos bailes transparecia dos lábios sorridentes das gentis damas algo de contentamento; nos modos delicados e corretos dos cavalheiros, em conjunto com a ordem, respeito e perfeita harmonia, divisava-se um tout à fait remplir de j’ôte– um inteiro entusiasmo!”. Os promotores em questão eram Juvenal Alvim, pelo Recreativo e Pedro Palhares pela Sociedade Recreativa Carlos Gomes.
Em janeiro de 1905 a Sociedade Recreativa Carlos Gomes prometia animar o carnaval daquele ano promovendo, além dos bailes de máscaras e do Zé Pereira, um desfile com carros alegóricos com temática crítica, acompanhada de troles enfeitados e repletos de bonitas fantasias. A matéria publicada após o carnaval é contraditória: Salienta o animadíssimo entrudo ocorrido pelas ruas da cidade “com boasmolhadelas a baldes de água e algumas laranjinhas”, mas reclama da indiferença do carnaval “sem um Zé Pereira, sem um mascarado!”. Informa ainda que muitas famílias foram para São Paulo assistir os folguedos carnavalescos.
No ano seguinte, 1906, o carnaval teve seu ápice. Ano que merece destaque, ficando para o próximo artigo desta coluna. No final da década o carnaval voltou a perder importância. Bem próximo ao carnaval à coluna “Palestrando” registrava: “Os festejos ao deus Momo, em Atibaia, ainda ninguém piou. Parece-nos que nem uma saudação a esse pândego deus da mitologia não se terá, nem ao menos com latas de querosene?” (o querosene era muito utilizado nas lamparinas, como fonte de iluminação). A apatia, em relação ao carnaval, era justificadapor mais uma crise que assolava o país, conforme artigo referente ao carnaval paulista: “O centro da cidade, a não ser no último dia em que se apinhou de povo de um modo colossal, estava triste e quase deserto em relação ao que era de esperar. Uns bandos minúsculos na extensão dos cortejos foram o arremate do frigidíssimo carnaval de 1909. Mas qual a causa de tanta frieza e despreocupação? A crise como dizem todos? É bem possível que assim seja. A luta pela existência se torna atualmente de tal modo tão difícil que poucos gastam com festejos como do carnaval…”. Qualquer semelhança com os dias atuais é mera coincidência!
*Mariolas – ter vida de malandro; vadiar.
Márcio Zago é artista plástico e artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”. É criador e curador da Semana André Carneiro.