Ler e escrever sobre gastronomia é muito gostoso
A pandemia foi útil para aprendermos um bocadinho sobre fazer comida em casa. Mesmo com a flexibilização de restaurantes, Fátima e eu decidimos continuar no território do fogão e da pia. Nunca lavei tanta louça na minha vida. A vantagem é que pratiquei bastante receitas de arroz incrementado – com alho-poró, cúrcuma, pouco sal e verduras – e o cuscuz à moda nordestina e não paulista.
Comprando itens, entregues em domicílio, do José Orgânicos Box do Mercado e da Casa de Produto Natural da alameda Lucas, consegui me divertir em torno de panelas, temperos e acessórios “essenciais” como castanhas, nozes e frutas. Ainda não recuperei meu lado de pasteleiro, que pratiquei numa determinada época. A cozinha é um longo e devocional caminho de relaxamento. É quase um altar para orações saborosas e cotidianas.
Como a mídia me ajudou até aqui? Há anos, sou leitor glutão de colunas sobre gastronomia. Mais que as comidas e bebidas, me interessa o estilo desses textos. A propósito, esse território tem craques como Nina Horta, que foi colunista da grande imprensa e escritora de culinária, uma profissão que se afirmou nestas duas primeiras décadas do século XXI.
Reconheço que sigo as unanimidades inteligentes, eleitas entre os apaixonados pela literatura de gastronomia brasileira. Sei também que estamos num momento de celebrações da grande autora Clarice Lispector, outra paixão que devora corações e mentes no país e até no exterior. Mas, para hoje aqui, reservei esse carinho e reconhecimento por pessoas incríveis como Nina Horta, de quem se editou recentemente “Não é Sopa”, coleção de crônicas publicadas no jornal “Folha de S.Paulo” ao longo de uma década.
Aqui mesmo no jornal O Atibaiense, com a ajuda da Ita Paiva, na época proprietária de livraria no centro de Atibaia, brinquei de colunista gastronômico, resenhando livros que, no geral, reuniam receitas, causos e histórias deliciosas – pessoas, lugares, manias, modas, costumes – em torno da mesa brasileira e das mesas internacionais.
Proust, o escritor francês, descrevia como ninguém quitutes e achados como as madeleines. Seus livros estão cheios de observações finas e riqueza narrativa ao retratar costumes. Comer é algo muito comum, mas pode receber pitadas de erudição, profundidade e repertório linguístico surpreendente. Comida é oralidade e também sensorialismo, textura, consistência e estética. Escrever este artigo me deu muita fome!