Histórias de Atibaia: Pedra do Sino ou Pedra dos Amores?
Conta à lenda que a pedra era o coração petrificado de uma princesinha vítima de seu amor inconstante. Tendo sido trocado por outro, o rapaz desprezado teria recorrido a uma bruxa para transformar em pedra aquele volúvel coração.
Márcio Zago
Por muito tempo essa pedra — que muitos chamavam de Pedra do Sino — fazia parte dos atrativos naturais de uma cidade privilegiada pela paisagem e pela tranquilidade. Local de passeios, piqueniques e encontros amorosos, a pedra guardava os segredos dos jovens enamorados da época. “Pedra do Sino porque, em sua carne dura de rocha, uma batida seca faz sair um queixume brando, um som feminino, discreto como as badaladas de um relógio antigo, comovente como um gemido… Conheço essa pedra. Sei que é mulher, e sua forma diz bem que é um coração — um imenso coração de alguma jovem princesa de tranças e olhos sonhadores, que uma fada má transformou, um dia, em rochedo.” escreveu André Carneiro numa de suas crônicas de 1946 para o jornal O Atibaiense.
Conta à lenda que a pedra era o coração petrificado de uma princesinha vítima de seu amor inconstante. Tendo sido trocado por outro, o rapaz desprezado teria recorrido a uma bruxa para transformar em pedra aquele volúvel coração. O feitiço, porém, não seria eterno: ele se quebraria quando, por trezentos e sessenta e cinco dias consecutivos, a pedra só ouvisse promessas sinceras, sem traições e sem mentiras.
A lenda nasceu em tempos em que a dominação masculina moldava o cotidiano e o imaginário popular. Ainda hoje é assim, mas a lenda jamais ganharia essa naturalidade sem muita resistência por parte das mulheres de hoje, felizmente. Os passeios, os piqueniques e as juras de amor também não cabem mais no universo da realidade virtual. O silêncio eloquentes dos jovens enamorados da atualidade são desprovidos de valor se não forem compartilhados a exaustão, com as caras e bocas próprias da insanidade.
A natureza, que por séculos emoldurava a pedra do sino, tão pouco existe mais.Hoje o Beiral das Pedras, assim como muitas cercanias da cidade, é uma cópia mal feita de bairros “ integradosa natureza” vendida nos anúncios imobiliários, mas sem vida, sem insetos, sem terra, sem árvores e sem pássaros. Apenas fachada. Mas talvez o mais grave seja que a sinceridade — essa força capaz de romper encantamentos — tornou-se rara. A mentira e a dissimulação, institucionalizadas, moldam discursos, currículos, estatísticas e até a história. Nunca se mentiu tanto, nem com tanta naturalidade.
A pedra do sino, ou a pedra dos amores, integra mais uma das muitas histórias de Atibaia. História sendo engolidas pelo tempo e pela dura realidade da vida. Hoje, essa silenciosa testemunha que habita a lembrança dos poucos moradores mais antigos,mais que um símbolo de punição, merece ser vista com outros olhos — como uma lembrança da força e da fragilidade da natureza e,principalmente, dos sentimentos humanos.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.



