Setembro Amarelo: saúde mental não produz sem políticas de base
Uma breve reflexão buscando dar contorno à necessidade de incidência política para a preservação da vida.

Anna Luiza Calixto
Chegou o mês de setembro e com ele o Brasil se colorindode amarelo com laços e girassóis. Fala-se de empatia, prevenção ao suicídio, escuta ativa, acolhimento. É necessário. É urgente. Mas o que pouco se fala nesse mês é sobre as políticas públicas sem as quais saúde mental é só discurso vazio.
É claro que eu vou puxar a brasa para a realidade de crianças e adolescentes, como de costume. Enquanto escrevo este texto, milhares de crianças brasileiras estão em situação de rua, sem acesso à escola, vivendo em casas com fome, em territórios dominados pela violência. Outras tantas passam horas sozinhas porque seus responsáveis trabalham em jornadas exaustivas. Muitas convivem com abusos invisíveis — emocionais, físicos, sexuais — dentro de casa. E o que oferecemos a elas durante esse mês, que se trata de uma oportunidade histórica de tratarmos de sua saúde mental como prioridade, sobretudo considerando que elas estão atravessando o chamado período de desenvolvimento peculiar? Uma campanha nas redes?
Não se discute saúde mental infantil de forma séria sem tocar nos determinantes sociais da saúde: renda, moradia, proteção, afeto, escola, alimentação e convivência segura. A criança que não sabe se terá janta, que presencia a mãe sendo violentada, que é negligenciada ou explorada… não precisa de uma palestra motivacional. Precisa de políticas públicas estruturantes.
O Brasil tem visto um aumento expressivo nos casos de sofrimento psíquico entre adolescentes — especialmente meninas, jovens negras, indígenas, LGBTQIAPN+… Um estudo da Fiocruz mostrou que os casos de automutilação e pensamentos suicidas cresceram entre adolescentes na pandemia e não voltaram a cair. Mas a resposta do Estado continua sendo mínima.
Faltam psicólogos nas escolas. Faltam CAPS Infantojuvenis. Faltam progra mas permanentes de saúde mental nas comunidades. Em vez disso, temos filas, subnotificações e um SUS estrangulado pela alta demanda e baixo efetivo de profissionais. Quando uma adolescente em crise chega a uma UBS, o que ela encontra é muitas vezes um atendimento clínico focado no sintoma e não na sua trajetória.
Além disso, ainda tratamos o sofrimento mental de crianças com uma dose absurda de adultização. Dizemos que é “birra”, “fase”, “manipulação”. Raramente ouvimos com atenção o que está por trás do silêncio, da agressividade, da evasão escolar, dos sintomas físicos sem causa aparente.
Setembro Amarelo precisa ser mais do que uma campanha com frases de impacto. Ele precisa se transformar em um compromisso político com a infância. Saúde mental não é um luxo individual, é um direito coletivo. E isso só se concretiza com política pública universal, intersetorial e de qualidade — que envolva saúde, educação, assistência social e cultura.



