Outras faces da adultização: quando a infância termina cedo demais

Aspectos distintos da emancipação violenta de crianças e adolescentes dentro e fora das redes sociais.

Anna Luiza Calixto

A infância tem sido lentamente corroída — não apenas pela sexualização precoce, mas por formas mais sutis de adultização que nos escapam pelas mãos no cotidiano. Quando imaginamos uma criança “adultizada”, talvez o que venha à mente seja o mini-adulto sexualizado. Mas a adultização também se dá de maneiras menos explícitas, porém igualmente nocivas: nas redes sociais, nas expectativas de comportamento, nas pressões invisíveis que roubam a leveza da infância.
Um dado recente da pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024 revela que 82% das crianças de 11 e 12 anos já possuem perfil em redes sociais — apesar da maioria dessas plataformas exigir idade mínima de 13 anos. Se, por um lado, isso pode refletir acesso à tecnologia, por outro revela como a infância foi invadida por ambientes feitos para adultos. O resultado? Crianças expostas à ansiedade, à comparação pública e à vigilância constante — condições emocionais que deveriam ser enfrentadas apenas na vida adulta.
Éum contrassenso cobrar de um pré-adolescente a mesma maturidade digital de um adulto. Nas redes, ela é vista, julgada, curtida. Likes viram termômetro de aprovação, padrões viram exigências de adequação. E, na contramão do que muitos pensam, a preocupação não é só com o conteúdo sexualizado, mas com a sobrecarga de afetos e expectativas adultas que essas plataformas impõem.
Enquanto isso, outras formas de adultização permanecem invisíveis:Em muitas famílias brasileiras, crianças cuidam de irmãos menores, idosos, da casa — e às vezes de si mesmas. São empurradas para papéis de responsabilidade emocional e prática muito cedo. Essa inversão da lógica do cuidado é uma forma profunda de adultização.
Meninas que precisam se maquiar para serem aceitas. Meninos cobrados por posturas de força e controle emocional. Marcas infantis que imitam o mundo adulto. Essa pressão estética e de consumo padronizado começa cada vez mais cedo — e exclui quem não pode ou não quer se encaixar.
Crianças com milhares de seguidores, fazendo publiposts, entregando conteúdo, reproduzindo roteiros adultos. Muitas são vistas como miniempreendedoras, mas acabam perdendo o direito de errar, de brincar sem likes, de crescer sem aplauso ou audiência.
Não se trata de idealizar a infância como um paraíso isento de conflitos. Mas sim de reconhecer que exigir maturidade precoce é uma forma de violência simbólica. A infância precisa de espaço, tempo e proteção.Ser criança não deveria ser performar para os stories, nem cuidar de adultos, nem se maquiar para ser aceita, nem entender as dores do mundo antes de ter recursos internos para isso.
Reconhecer essas formas de adultização é urgente. Porque o direito à infância não está só no corpo — está no tempo, na leveza e na liberdade de crescer com cuidado.