HISTÓRIA DE ATIBAIA – O ilustre Santos Dumont realmente passou por Atibaia?
Mas nada melhor que a própria crônica para descrever o episódio.
Márcio Zago
Em 1946, o jornal O Atibaiense publicou uma curiosa crônica assinada por N. Anni, intitulada “Santos Dumont esteve aqui?”. Sob esse pseudônimo se ocultava o renomado folclorista e ex-prefeito de Atibaia João Batista Conti, uma das mais importantes personalidades da história local. Na narrativa, Conti recorda o dia em que, ainda menino, teria visto o célebre inventor do avião em terras atibaienses. Segundo ele, era 11 de junho de 1916 quando, ao passar pelo Largo da Matriz, deparou-se com um automóvel estacionado — uma visão muito rara na época.
Tratava-se de um Fiat 1912, que participava de um raid entre São Paulo e Ribeirão Preto, com passagem por Atibaia e Bragança Paulista e, segundo ouviu, o carro era capaz de atingir a impressionante velocidade de 80 km/h. Porém, o que mais chamava a atenção do curioso garoto eram as rodas enormes, que faziam com que a parte mais baixa do carro ficasse a quase meio metro do chão.
Mas nada melhor que a própria crônica para descrever o episódio: “(…) Me lembro que seus tripulantes comentavam a subida da serra. Horas amargas, diziam eles, pois, como o chão estivesse molhado, tiveram de pôr corrente nas rodas. E como era difícil esta operação naqueles tempos! Eis quando ouço um deles dirigir-se a outro chamando-o Santos Dumont. O quê? Santos Dumont, o homem que voava? Sim, nada mais, nada menos que o pai da aviação! (…) O automóvel era de propriedade de Antônio Prado Junior, que o conduzia, trazendo como auxiliar o motorista Attila Passatori e como companheiros, além do genial inventor Santos Dumont, o senhor Silvio Penteado. Mas chegaram e partiram. Não me lembro ter havido qualquer manifestação. (…)”.
De fato, talvez Conti tivesse razão ao afirmar que não houve manifestação especial diante de visita tão ilustre, ainda mais se considerarmos que se tratava de um dos personagens mais populares e admirados de sua época. Contudo, um registro fotográfico facilmente encontrado nas redes sociais contraria em parte essa lembrança: a imagem mostra diversas pessoas posando ao lado do automóvel com seus tripulantes defronte ao hotel que havia atrás da Igreja Matriz.
Podemos supor que os populares, assim como o próprio João Batista Conti, estivessem ali atraídos pelo automóvel, mas a ausência de uma recepção mais calorosa ao inventor do avião pode ter uma explicação simples. Arrisco dizer que isso ocorreu porque, poucos meses antes, havia falecido o maior entusiasta de Santos Dumont em Atibaia: José Antônio Silveira Maia, o fundador do jornal O Atibaiense. Entre 1901 e 1916, Maia publicou inúmeras notas e artigos sobre as pesquisas, viagens e conquistas do inventor, abastecendo-se das revistas especializadas que colecionava desde o início do século XX.
Mas justamente naquela semana o jornal silenciou sobre a visita — não por desinteresse, como vimos, mas pela ausência de seu mais fervoroso admirador. Podemos imaginar, sem exagero, que se José Antônio Silveira Maia ainda estivesse vivo, o jornal O Atibaiense teria estampado em letras garrafais na primeira página: “Santos Dumont em Atibaia!”. O destino, contudo, não permitiu. E assim, a etérea passagem do pai da aviação pela cidade acabou se misturando a tantas outras histórias — algumas vividas, outras inventadas — que compõem a rica memória afetiva da terra onde nasci.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.



