Autoridade sem autoritarismo: educar sem violência

O verniz da disciplina na normalização da violência contra crianças.

 

Anna Luiza Calixto

“É pro bem dele.” “Na minha época, bastava um chinelo.” “Criança tem que obedecer.” Frases como essas ainda ecoam nos lares brasileiros como verdades absolutas e justificativas para gritos, tapas, castigos humilhantes e até ameaças. Muita gente chama isso de “educação assertiva”. Mas a realidade é que esse tipo de prática tem um nome claro: violência disciplinar, e ela deixa marcas profundas, invisíveis e duradouras.
A violência disciplinar ocorre quando um adulto utiliza agressões físicas ou psicológicas com o objetivo de “educar” ou “corrigir” o comportamento de uma criança ou adolescente. Isso inclui agressões físicas, castigos humilhantes; ameaças; xingamentos; gritos ou isolamento; além da própria intimidação.
Ainda hoje, muitos acreditam que essas práticas agressivas devemfazer parte da criação, que elassão capazes de “formar caráter” ou ensinar respeito. Mas eu e você sabemos que autoridade e autoritarismo são coisas diferentes.
Ainda, a criança que cresce sob esse tipo de violência aprende que o afeto pode vir acompanhado de medo, que autoridade se impõe pela força e que seu corpo e emoções não importam. Ela pode desenvolver:
baixa autoestima; medo excessivo ou agressividade; dificuldades para confiar e se expressar; transtornos como ansiedade, depressão ou fobia escolar.
Mais do que isso, a violência disciplinar perpetua ciclos de violações de direitos, nos quais quem apanha hoje, amanhã bate (na mais pura lógica freireana de internalização da lógica de opressão sofrida).
A Lei Menino Bernardo (13.010/2014) — batizada em homenagem ao menino assassinado aos 11 anos após sofrer violências por anos — proíbe castigos físicos e tratamentos cruéis ou degradantes contra crianças e adolescentes em qualquer ambiente, inclusive dentro de casa. A fronteira entre educar e agredir deve ser espessa e bem delimitada.
Existem métodos educacionais positivos baseados no respeito mútuo, no diálogo, na escuta ativa e no acolhimento emocional. Disciplina positiva não significa ausência de limites — significa construir regras com empatia, ensinar consequências, nomear sentimentos e cultivar vínculos seguros.
Toda criança tem o direito de crescer sem medo, numa infância plena e livre de violências. Esse deve ser nosso compromisso com um futuro mais justo, sensível e humano. Quem educa com amor planta raízes firmes — e não cicatrizes.