Liberdade de opressão

O caso Leo Lins e a apologia à violência sexual contra crianças e adolescentes.

 

Anna Luiza Calixto

Já dizia Frejat: rir de tudo é desespero. O que dizer de quem ri da forma mais perversa e brutal de violência contra crianças? E de quem “em tom de brincadeira” (leia-se com quinhentas aspas) sugere ser mais estratégico abusar sexualmente dos próprios filhos, por ser um cenário favorável ao silenciamento das vítimas.
“Pra quem você vai contar, pro seu pai?” – disse em tom jocoso o carioca de 42 anos Leo Lins, condenado a oito anos e três meses de prisão, sentença que causou reações das mais variadas nas mídias sociais. Há quem defenda a liberdade de expressão a qualquer custo e os que enxergam na comédia um limite inegociável: o respeito à dignidade humana, sobretudo quando se trata da nossa prioridade absoluta: crianças e adolescentes. Entre polêmicas e “piadas” de extremo mau gosto, o que levou Lins ao centro da investigação da Polícia Federal foi a divulgação de conteúdos que, conforme apontam as autoridades, fazem apologia à violência sexual infantil.
Não é comédia, é caso de polícia. Fazendo do abuso sexual contra crianças um tema de piadas, o réu cruzou uma linha perigosa: a da naturalização (e apologia) de um crime. É bem diferente do que chamam de “cancelamento” ou “politicamente correto”, mas de responsabilização legal diante de um conteúdo que fere as premissas fundantes do Estatuto da Criança e do Adolescente e os princípios mais básicos da civilidade humana.
Liberdade de expressão não é liberdade de opressão. Como qualquer abertura legal, ela encontra limites quando colide com direitos de outrem, como a dignidade sexual da infância. Não é humor se fere ou ri das feridas, ainda mais quando se trata de um país cujas estatísticas mais recentes revelam que 7 crianças e adolescentes são estupradas por hora (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2024)
Responsabilizar a troça diante da selvageria humana é um passo imprescindível para que o Brasil deixe de ser complacente com esse tipo de discurso que se disfarça sob o verniz de entretenimento. De que outra maneira poderemos impedir novas violênciassimbólicas?
Quem ri do abuso contra uma criança não só revela ter se dessensibilizado diante do horror, mas torna-se cúmplice da cultura do estupro. Sob os holofotes de um palco, você não está fora dos limites da lei. Piada de mal gosto? Não, isso tem outro nome: apologia ao estupro. Certas coisas simplesmente não tem graça.