Mães arrependidas e abandonadoras precisam de mediação, fé e carinho

Há bastante tempo venho observando publicações sobre tema que é verdadeiro tabu na sociedade: as mães arrependidas, abandonadoras e “traidoras”. Por que coloquei “traidoras” entre aspas? A razão está na pergunta: elas não estão traindo a si mesmas? Este é um primeiro artigo e sinto até uma pontada no coração, ao comparar esse segmento das feministas com minha mãe e outras mães anciãs que conheci ao longo de sete décadas de vida. Uma tradição que não morreu.
Depois de ler artigos ainda discretos e temerosos na mídia, encontrei a resenha de Leonardo Neiva (Gama Revista) sobre o livro “As Abandonadoras”, série de ensaios escritos pela jornalista catalã Begoña Gómez Urzaiz, que investiga mães que abandonam os filhos, assim como os próprios preconceitos sobre o tema – a culpa materna e as mães como sujeitos independentes e criativos. Mesmo olhando-se como feminista, parcial conhecedora da complexidade humana e empática com desvios da norma, a autora confessa ainda enfrentar uma dificuldade: a de entender que uma mãe queira viver longe dos filhos. Para lidar com essa profunda e pessoal inquietude a respeito das maternidades que fogem do esperado é que ela decidiu escrever o livro, editado em português pela Zahar (2024).
Além do Manifesto Antimaternalista, o cinema nos apresenta personagens como a de Cate Blanchett em “Carol” (2015), filme baseado na obra de Patricia Highsmith, a protagonista vivida por Olivia Colman em “A Filha Perdida” (2021), adaptação do romance de Elena Ferrante. Ou seja, as mães abandonadoras aparecem bastante na ficção, não só de hoje. Se, em ambos os casos, as personagens vão embora para viver de forma plena e independente suas vidas e sexualidades, há também os clichês literários como o da criança que vive sem pais ou da marca deixada pela mãe no pequeno protagonista antes do reencontro final. Em todos os casos, o estigma recai sempre na mulher. “Dos pais, pode-se esperar que sumam; das mães, não”.
Segundo a jornalista catalã, as mães abandonadoras estão plenamente na vida real. As “razões” são a dedicação à carreira, o arrependimento da maternidade e a necessidade de viver os próprios sonhos. Se os pais até escapam da crítica, as mães são objeto de censura pesada. Para Begoña Urzaiz, que se considera “mera espiã dessa calamidade”, a maior parte das mulheres que deixam seus filhos faz isso por pura necessidade, para conseguir ganhar algum dinheiro em outro lugar, muitas vezes cuidando dos filhos dos outros ou fugindo de desastres geopolíticos. Há também mulheres, poucas, que renunciam à custódia dos filhos assim que nascem, como um gênero comum de desgraça.
Mediação e fé podem ajudá-las. A nossa compreensão e carinho, também. A autora raciocina assim: “Tentei ser generosa e não dogmática ao responder à pergunta que me persegue – que tipo de mãe abandona um filho?”. Queridas leitoras, comprei o livro mas ainda não tive condições psicológicas de lê-lo.