Internet segura de todos para todos
Os perigos presentes nos ambientes virtuais para os públicos mais vulneráveis.
Anna Luiza Calixto
Na última segunda feira (5) estive na consulta da SaferNet sobre proteção de crianças e adolescentes em ambientes imersivos. A associação é reconhecida nacional e internacionalmente pelo trabalho em defesa dos direitos humanos na internet. Essa iniciativa fez parte da agenda da SaferNet de mobilização para o Dia da Internet Segura (6 de fevereiro). A consulta reuniu diferentes entidades e organizações da sociedade civil, como o Projeto Bem me quer e a Rede Peteca – que foram representados por nós –, a Associação Paulista de Conselheiros e Ex Conselheiros Tutelares, a Child Fund, o Instituto Liberta, entre outros.
Durante a ação, a plenária foi dividida em dois grupos – A e B – a quem foi direcionada a tarefa de mapear riscos presentes em ambientes imersivos de realidade virtual e da capilarização da inteligência artificial nas redes para as crianças e adolescentes, para na rodada seguinte pensar em como mitigá-los.
Surgiram problemáticas como o abuso sexual contra crianças e adolescentes no ambiente virtual. A própria SaferNet publicou na terça feira (6) um relatório que em 2023 houve 71.867 novas denúncias de imagens de abuso sexual infantil, o que representa um aumento de 77% em relação ao ano anterior, sendo esse o maior número da série histórica, que começou em 2005.
A ONG Internacional WeProtect Global Alliance levantou dados que apontam que 94% dos membros de seis fóruns diferentes da chamada “dark web” – com mais de 600 mil membros ativos e 760 mil posts – baixaram conteúdo de exploração sexual infantil.
Existe um iceberg abaixo da ponta cristalizada que conhecemos do ambiente virtual e ele está invadindo ambientes de jogos virtuais, bate-papos, fóruns e redes sociais expondo crianças e adolescentes a situações constrangedoras e violentas que ferem seu direito à dignidade sexual e tecem ameaças contra a vítima e sua família.
Além das situações de violência sexual – para quem acompanha a Coluna não é nenhuma novidade que elas não se restringem ao contato físico, muito menos à penetração – também ocorrem com frequência posts com apologia ao nazismo e ao fascismo. Ainda, a alusão à automutilação e ao suicídio é frequente, invasiva e extremamente prejudicial às crianças e adolescentes que navegam online.
É difícil não se lembrar do apogeu dessa onda violenta em 2017 com o “jogo” Baleia Azul, que dividia o suicídio em etapas que começavam com mutilar o braço desenhando uma baleia com uma lâmina, ingerir remédios de madrugada, cortes nos braços e pernas e terminavam com adolescentes de fato tirando a própria vida. Tudo em um cronograma marcado, como se as autolesões fossem desafios, etapas de um jogo que se vence quando a vida é arrancada com as próprias mãos.
As atualizações digitais dessa violência têm se utilizado da inteligência artificial e dos ambientes imersivos de realidade virtual. Na ação da SaferNet utilizamos os óculos de realidade aumentada e percebemos como tudo ao nosso redor realmente se torna parte do universo digital e isso pode causar a impressão de que estamos interagindo com outras pessoas, cujos corpos figuram como avatares em movimento no jogo. Lembram de quando a caça por Pokémons causavam a impressão de que estávamos praticando algum exercício físico devido ao movimento em busca dos personagens? Então…
Ataques virtuais não podem se tornar paisagem, muito menos quando ameaçam a saúde mental e integridade física de crianças e adolescentes. Dos últimos atentados violentos nas escolas brasileiras, quantos foram atravessados por acordos e mobilizações na internet? Quantos foram planejados por adolescentes? Essa intersecção não pode ser ignorada.
Crianças e adolescentes, segundo o ECA, estão em desenvolvimento peculiar, período no qual sua saúde biopsicossocial é mais vulnerável a interferências externas, sobretudo aquelas que promovem distorção da autoimagem e danos na relação consigo próprio e com sua autoestima.
Acompanhar o uso da internet feito pelas crianças com quem convivemos significa muito mais do que supervisionar, quer dizer ter olhos atentos e afetuosos na intenção de proteger e blindar das violências, não de flagrar e punir.
A internet não é terra de ninguém e violências virtuais devem ser denunciadas. Disque 100 e proteja nossas crianças e adolescentes. A internet abre uma janela de oportunidades e conhecimentos, mas no que se trata do público infantojuvenil, o olhar cauteloso é fundamental. A realidade virtual espelha a realidade vivida, onde existe a violência e o mal, mas também existem pessoas dispostas a lutar para defender os meninos e meninas para que ninguém naufrague ao navegar pela internet.