Padre Chico e a chuva
Ainda na área cultural, montou o Grêmio Dramático Olavo Bilac e compôs o Hino a São João Batista, em parceria com o maestro Pedro Vasconcelos.
Márcio Zago
Entre as várias personalidades que contribuíram e deixaram seu nome marcado na história de Atibaia, está Francisco Rodrigues dos Santos, o Padre Chico, como era carinhosamente chamado. Natural de Nazaré Paulista, foi sacerdote em Atibaia entre 1914 e 1933.
Sua influência ultrapassou os limites da igreja, chegando aos mais variados assuntos. Foi ele o principal responsável pela criação da primeira biblioteca de Atibaia, o Gabinete de Leitura. Ainda na área cultural, montou o Grêmio Dramático Olavo Bilac e compôs o Hino a São João Batista, em parceria com o maestro Pedro Vasconcelos.
Foi poeta, jornalista e exímio orador, mas foi nas ações sociais que o Padre Chico ganhou a admiração e o carinho de seus contemporâneos. Durante a gripe espanhola, esteve à frente das ações emergenciais, arriscando a própria sorte ao lado de Aprígio de Toledo e José de Aguiar Peçanha. Também prestou solidariedade aos refugiados da revolução paulista de 1924 e coordenou a reforma da Igreja do Rosário em 1916.
Não fosse ele, a Igreja do Rosário provavelmente não existiria mais. Também foi responsável pela construção da casa paroquial e liderou a criação da Irmandade Civil Pró-Vila de São Vicente de Paula, que abriga, ainda hoje, a velhice desamparada da região. Em outubro de 1922, o jornal “O Atibaiense” publicou um artigo intitulado “O Absurdo de N. S. das Brotas”. Nele, o Padre Chico fazia referência à Festa de Nossa Senhora das Brotas, manifestação religiosa eminentemente popular e rural que ocorria no mês de setembro no antigo bairro do Caioçara.
Essa festa tinha a intenção de chamar a chuva para que irrigasse a plantação, depois de uma longa estiagem que sempre ocorria meses antes deste período. Sem esta celebração, os devotos acreditavam que a chuva não cairia.
O artigo do Padre Chico se referia a esses devotos, que anualmente davam seu testemunho de fé e devoção: “A classe dos camponeses devia ser a mais amparada pelas leis e pelos homens que se reputam ultracivilizados. Sem ela, a indústria, o comércio e a mesma civilização de que tanto gabam muitos, deixariam de existir, porque sem o suor humano que goteja sobre a terra, não medram as sementes, não sazonam frutos, que havemos mister para viver. Se há privilégios e soberanias neste mundo, para alguém ou para alguma coisa, tais deverão estar nos campos, que é a que quase tudo se priva para que a cidade prospere e a civilização continue a sua “cavalgada esplêndida da glória”, como disse o nosso poeta. Mas, pobre gente! Até agora quase deslembrada dos nossos homens de estado e de governo, cujos dias não chegam para o que podemos chamar de reles desperdício da vida pública, ela continuará ainda arrastando a sua existência ingrata, monótona e não raro miseranda, tendo apenas o derivativo do sentimento religioso que a conforta nas maiores aperturas. E enquanto o teologismo estéril de alguns raciocinava, e o filosofismo barato de alguns duvidava ou mesmo negava, os camponeses, ou se quiserem, a caipirada, passavam ainda de manhã, em multidão considerável, cantando hinos religiosos e fazendo as suas orações, que era como se dissessem: Senhor Deus, pela Virgem das Brotas, lembra-te que és nosso pai. Nossas plantações ou já morreram, ou estão morrendo: Se não nos dá a chuva, todos nós morreremos de fome…”.
Neste longo artigo, e em outros que escreveu, surgem indícios de sua postura (muitas vezes polêmicas) em defesa dos mais fracos, dos pobres e desassistidos pelo poder constituído e, nas entrelinhas, até mesmo pela própria igreja. Padre Chico abandonou a batina anos depois de escrever esse artigo. Casou-se, teve dois filhos e meses antes de morrer se reconciliou com a igreja, sendosepultado com todas as honras clericais.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.