Surge o Nordisk Cinema em Atibaia
Márcio Zago
A nota publicada no jornal O Atibaiense, em abril de 1915, sobre a possível venda do Teatro Popular não se confirmou a princípio. Depois dessa nota, o nome Nordisk Cinema não apareceu mais nas páginas do jornal. O nome Teatro Popular, assim como o de seu empresário Hilário de Vasconcelos, voltaram a ser usados normalmente, continuando a dividir a atenção do público com o outro concorrente: o Recreio Cinema. A crise do setor, agravada pela Primeira Guerra Mundial, ganhava força. O Recreio Cinema, até então sob o comando dos empresários da Oliveira & Freire, agora assinava como Freire & Pires após a saída de Alberto de Oliveira… Um sinal da crise. Dois meses depois, o nome Nordisk Cinema surgiu novamente em substituição ao Teatro Popular. E desta vez, para ficar.
O nome Nordisk vinha da “NordiskFilm”, uma empresa de produção cinematográfica dinamarquesa fundada em 1906. A empresa fez muito sucesso na época e é hoje o estúdio de cinema mais antigo do mundo ainda em funcionamento. Quem assumiu o Nordisk Cinema foi o empresário Luís Mana & Cia. A mudança mais visível dessa alteração foi a apresentação gráfica nos anúncios no jornal. Imensos tipos móveis, acompanhados do clichê “Nordisk Cinema”, substituíam os textos formais publicados até então.
A programação não sofreu grandes alterações com a chegada do novo empresário, priorizando também os filmes que faziam sucesso nos cinemas da capital, além das apresentações teatrais que, de vez em quando, eram montadas. A música ganhou um pequeno destaque. Nos anúncios, a frase usada passou a ser “Ouverture pela orquestra tal…”. Ouverture, segundo o dicionário, é a música instrumental que precede uma ópera, um oratório etc., e se destina a criar ambiente para a obra que vai ser executada. A orquestra Euterpe, fundada pelo maestro Pedro de Vasconcelos e contratada pelos empresários anteriores, continuou a sonorizar as exibições cinematográficas do Nordisk Cinema.
Para o filme “Os limpadores de Chaminés”, o destaque foi a música “Saudade”, de Arnaldo de Moura, uma homenagem de Pedro de Vasconcelos ao promissor maestro falecido precocemente em 1911. Nos meses seguintes, os anúncios publicados no jornal O Atibaiense destacavam semanalmente a programação dos dois cinemas: o Nordisk Cinema e o Pavilhão Cinema, que ora era nomeado Recreio Cinema, ora Pavilhão Recreio ou ainda Pavilhão Recreio Cinema. A disputa entre eles favorecia o público consumidor. Em agosto de 1915, foi anunciada uma pequena reforma na decoração do Pavilhão Cinema, onde seria introduzida uma antiga demanda de seus “habitués”: um mictório. Sinal de que até aquela data não havia banheiro nos cinemas locais. As atrações extras oferecidas pelos empresários passaram a ser frequentes. Enquanto um abria espaço para as projeções “populares” (como as sessões oferecidas aos alunos do grupo escolar), o outro oferecia guloseimas às crianças, brindes e outros agrados.
Uma delas foi a distribuição de carteiras de cigarros da Companhia Souza Cruz, uma iniciativa do empresário Deoclides Freire, do Pavilhão Cinema. Simultaneamente, o Nordisk anunciou a reapresentação do filme “Branco contra Preto”, um sucesso garantido da época, além da exibição de uma atração inusitada até então: “um filme natural tirado na ocasião em que o Exmo. Sr. Coronel Fernando Prestes chegou a Itapetinga depois de deixar o governo estadual. Neste filme, vemos também algumas pessoas residentes nessa cidade (…).” Talvez esta seja a primeira vez que o público local assistiu a uma projeção de cinema em que figuravam pessoas próximas do seu convívio, pessoas conhecidas no seu dia a dia. Essa familiaridade com a linguagem foi um passo importante para a popularização da linguagem que, independente da crise momentânea que atravessava, se tornaria mais tarde a maior indústria de entretenimento do mundo.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.