O cinema em Atibaia e no mundo
Márcio Zago
Em 1913, Atibaia já possuía dois cinemas de grande porte, o que é um fato surpreendente se levarmos em conta a diminuta população existente na época. Somados os 620 lugares do Pavilhão Recreio Cinema aos 800 do Palace Teatro, a cidade tinha uma lotação superior a 1.500 lugares para uma população de aproximadamente 11.000 habitantes, dos quais somente 2.000 eram moradores da região urbana. Essa relação é impensável para os tempos atuais. No entanto, esse investimento audacioso tinha explicação. O cinema, já em seus primórdios, demonstrou ser uma indústria bastante lucrativa, espalhando seus dividendos pelos diversos setores da produção. Todos ganhavam: dos empresários das novas companhias que surgiam até os artistas de diferentes segmentos da produção, passando, logicamente, pelos exibidores. Uma matéria publicada em 1913 informava que o francês Max Linder, um dos pioneiros da arte cômica do cinema mudo, ganhou como artista de cinema mais de um milhão de francos em três anos de atuação numa única empresa cinematográfica francesa. Segundo a mesma matéria, existiam na Inglaterra perto de 6.000 cinemas, gerando mais de 125.000 empregos em sua cadeia de produção. Os primeiros empresários locais do ramo cinematográfico, Deoclides Freire e Hilário de Vasconcelos, perceberam esse potencial e investiram pesado no setor, marcando o pioneirismo do cinema no município. A motivação vinha principalmente do grande sucesso que o cinema sempre obteve junto à população atibaiana, desde sua primeira exibição ocorrida em 05 de julho de 1903 no Teatrinho do Mercado. Em Atibaia, assim como no resto do mundo, ninguém ficou indiferente aos encantos das imagens em movimento. Para a população simples, sem recursos para pagar a entrada nos dois cinemas da cidade, havia as exibições públicas ao ar livre, que passaram a ser frequentes nas festas populares. Podiam também assistir às fitas quando os circos se instalavam na cidade, que também passaram a incluir projeções cinematográficas em suas programações. Os circos eram mais populares que o cinema e, supõe-se, mais baratos e acessíveis. Para os mais abastados, os cinemas viraram pontos de encontro e ganharam até um termo específico: “habitués”, um termo francês muito utilizado na época para designar “frequentador habitual”. O poeta Joviano Franco da Silveira foi um deles. Joviano é autor do poema “Séculos da fita”, publicado no jornal “O Atibaiense” em 1914. Assinando como Catão, um dos inúmeros pseudônimos que utilizou, o poema tinha uma introdução que dizia: “O cinematógrafo foi inventado no século atual, desde então o número de fitas tem aumentado prodigiosamente, por isso este século merece ser chamado o Século das fitas”:
No século XX inventou-se
O cinema; e desde então,
Fazem se fitas sem conta,
De todo tipo e feição.
Aliás, já é cousa comum:
Atualmente o mundo inteiro
Passa fitas por sinal.
O povo é um grande fiteiro
Vem-se fitas na política,
Nos negócios, hoje em dia,
Nas indústrias, nas escolas,
E até na diplomacia.
Em terra todos se exibem,
Navios, marujos no mar;
E agora com o progresso,
Os aviadores no ar.
O namorado faz fitas,
A namorada inda mais;
A sogra, nobreza e vulgo,
Reis, ministros, marechais.
Moços, velhos e crianças,
Mulheres principalmente,
Fazem fitas e mais fitas,
Tudo mui naturalmente.
Tem esta arte sublime
Aplicações infinitas…
Quando o mundo se acabar
Só então cessarão as fitas.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.