O fim do teatrinho do mercado de Atibaia
De 1911 a 1913 o teatrinho foi alugado pelo poder público para os empresários da nova linguagem que surgia.
Márcio Zago
A partir 1910 o teatrinho do mercado acabou perdendo sua importância como espaço cênico. A organização dos atores amadores da cidade nunca mais alcançou a importância que teve após a dissolução do Grupo Dramático Carlos Gomes,coordenado pelo casal Alexandre e Dolores Paganelli.
De 1911 a 1913 o teatrinho foi alugado pelo poder público para os empresários da nova linguagem que surgia: O cinema. De novembro de 1910 a dezembro de 1911 o teatrinho abrigou o Recreio Cinema e pouco depois, de outubro de 1912 a julho de 1913 o Popular Cinema. Essa mudança no perfil do espaço desmobilizou o movimento teatral da época. Mais tarde, com a transferência das projeções cinematográficas iniciadas no teatrinho, para os espaços construídos pelos empresários do setor, o teatrinhos e esvaziou por completo e não retomou mais sua importância. Muito desse desinteresse surgiu em razão de que as novas “casas de diversões”, como eram nomeadas os cinemas, absorveram o limitado público da época.
A classe abastada foi atraída pelos encantos dos novos espaços que surgiram. E não é difícil entender suas razões. Estavam trocando um lugar modesto, simples e rudimentar por outros que traziam todas as inovações tecnológicas e arquitetônicas da época.
O próprio cinema era novidade, com seus ventiladores e projetores de alta potencia tocada a eletricidade – outra novidade. Os salões suntuosamente adornados e iluminados com lâmpadas incandescentes traziam cadeiras com acentos de palhinha Tonèt, além de um espaço para confeitaria, onde os pagantes podiam exibir suas elegantes vestes enquanto, saboreando doces e quitutes, trocavam informações com os amigos da mesma classe social.
Com função híbrida, os novos espaços abrigavam tanto o cinema como o teatro e com isso os próprios artistas também abandonaram o teatrinho e começaram a atuar nos palcos que surgiram, formando outros grupos teatrais a partir desse encontro. Em pouco tempo cada cinema tinha seu próprio grupo teatral, iniciando um processo que transferiu a iniciativa dos artistas locais, que acontecia de forma espontânea, natural, para o setor privado, uma vez que passaram a “trabalhar” para os empresários.
O esvaziamento do teatrinho, somados a pressão dos comerciantes em aumentar a área do mercado, levou ao fim o espaço cultural mais importante daquele distante inicio de século XX. O teatrinho do Mercado deixou de existir em 1915, quando parte de sua parede foi demolida para aumentar o Mercado Municipal. Seu nome vinha de uma associação inusitada. Ele surgiu junto com o Mercado Municipal ocupando um terço do prédio construído pelo Juiz abolicionista Antônio Bento.
Na época o prédio estava abandonado e a partir de 1884 passou a atender duas necessidades que a cidade tinha naquele período: um lugar para instalar o mercado municipal e outro para servir de espaço cultural (que não havia na época). A saída foi juntar as duas atividades. Funcionando por mais de trinta a nosso o mesmo teto que comercializava frutas, legumes e animais, o teatrinho do mercado foi o mais importante espaço cultural de Atibaia no período em que iniciava também sua urbanização.
Suas diminutas proporções (aproximadamente 9mX 4 m), não impediram que a população se encantasse com as dezenas de peças ali encenadas, dezenas de projeções cinematográficas e as inúmeras apresentações dos mais variados estilos. Em seu palco passaram de modestos artistas do palco até importantes companhias, que também buscavam espaço para sua sobrevivência percorrendo as mais distantes cidades onde pudessem se apresentar. Seu melancólico fim não fez justiça a sua importância. A história do teatrinho é a história da própria cidade, pois revela a paternidade no campo cultural. Foi no teatrinho que a classe artística atibaiana deu inicio a um dos períodos mais notável de sua formação cultural.Um passado que permanece encoberto pelo manto do esquecimento, que há mais de um século insiste em acobertar pessoas, espaços e acontecimentos que um dia fizeram parte do imenso percurso que compõe e engrandece nossa comunidade.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.