Caso da atriz Klara Castanho

Um direito constitucional à mercê da prepotência de uma juíza. “Suportaria ficar mais um pouquinho?” Foto Internet

Anna Luiza Calixto

O direito ao aborto legal ainda é lacunar e deficitário no Brasil. O fato de que cada juiz ou juíza olha pro caso com seus próprios olhos e visão de mundo é sintomático da nossa sociedade adultocêntrica.
Muitas meninas e mulheres ainda se sentem constrangidas, envergonhadas e culpadas pela violência que as próprias sofreram. Portanto, elas escolhem não denunciar e são silenciadas pela naturalização da violência.
O machismo e o patriarcado estruturais estão tentando nos convencer de que o feminismo está oculto neste caso. NÃO ESTÁ. Feminismo é sobre o direito à escolha para TODAS as meninas e mulheres.
Atenção! O que está em cheque é que nós falhamos enquanto sistema de identificação à violência. Biologicamente, a jovem não desenvolveu o volume da gestação no abdômen e não teve seu ciclo menstrual interrompido. Ela tomou a pílula do dia seguinte, mas não funcionou.
O que estamos discutindo e, mais do que isto, CONDENANDO e LAMENTANDO PROFUNDAMENTE é que os “””jornalistas””” Leo Dias e Antonia Fontenelle ANUNCIARAM em suas redes sociais que a Klara tinha OPTADO por levar a gravidez adiante. SEM O CONSENTIMENTO DA ATRIZ divulgaram em alto e bom som o estupro, evidentemente tentando traçar um paralelo esdrúxulo entre esta violência e o caso da menina de onze anos de idade.
A jovem descobriu a gestação no final, quando o procedimento do aborto se torna bem mais invasivo. Mas ninguém, repito,
NINGUÉM PRECISA JUSTIFICAR A DECISÃO DELA, PORQUE O CORPO É DELA, MEU DEUS.
Absurda não é a postura que ela adotou, o nome disto é revitimização. Eu não sou capaz
de vislumbrar o quanto este processo deve ter sido doloroso pra ela e carecido de muita reflexão e apoio. Absurda é a exposição forçada do caso, sem a permissão ou a mera ciência da moça.
Vocês estão acompanhando pra onde eu estou indo com a minha linha de raciocínio?
Há pessoas que estão criticando a entrega do bebê para a adoção. Que era exatamente o que estas mesmas pessoas estavam pedindo para ser feito no caso da menina do sul do Brasil. Pedindo não, implorando e deliberando.
NUNCA FOI SOBRE A VIDA DO FETO. SEMPRE FOI SOBRE HUMILHAR E OPRIMIR A MULHER OU MENINA POR UMA VIOLÊNCIA QUE ELA SOFREU.
PAREM DE NOS MATAR. Porque se abortamos, somos condenadas. Se levamos a criança à adoção, somos julgadas. Se transamos, somos fadadas à promiscuidade. Se somos estupradas, somos culpadas.
A mulher está sempre errada. A solução que eles encontram é fazer a mulher carregar o fruto de um ESTUPRO e educá-lo para posteriormente entregá-lo são e salvo para a sociedade. Vilipendiando toda a dor e o sofrimento provocadas na história da vítima de maneira praticamente irreversível.
Desde a inquisição somos levadas para a fogueira. Desde o nascimento do mundo, somos as responsáveis pelo pecado.
Meu corpo é meu e eu decido sobre ele. Se toda criança é nossa criança, toda mulher que carrega uma criança é sagrada.
Parem de resumir nosso corpo a uma máquina de produzir trabalhadores pro Estado e operários pra indústria.
Por fim, Bolsonaro se pronuncia questionando o aborto legal de uma criança vítima de estupro de vulnerável e dizendo que o feto não tem culpa do estupro.
Tá bem, presidente, mas a mulher, a MENINA tem tanta culpa quanto o feto.
Querem que peçamos desculpas por termos nascido. A culpa sempre será nossa enquanto o sistema que nos modela for assassino e corrupto.
NENHUM PASSO PARA TRÁS, NENHUM DIREITO A MENOS.
Simone de Beauvouir, precursora do movimento feminista na Europa, escreveu no Segundo Sexo que NADA PODE NOS LIMITAR, NADA PODE NOS DEFINIR E QUE NADA PODE NOS SUJEITAR.
Que (um dia) a liberdade seja a nossa própria substância.