O espírito da conciliação pode melhorar as relações sociais
Pensei no tema desta coluna ao ler as palavras do poeta Fabrício Carpinejar em perfil do Instagram: “Não aceitamos mais frustrações, perdas, desentendimentos. Ninguém pode se machucar ou ser contrariado atualmente.Há mais realeza dentro de nós do que realidade.Exigimos os nossos direitos faltando com os nossos deveres de cordialidade”.
É uma constatação grave. Todos nós estamos exigindo respeito e consideração dos outros, mas estamos nos negando a cumprir a contrapartida: oferecer os mesmos cuidados àqueles com quem nos relacionamos. Nesse sentido, o espírito da conciliação, que democratiza as relações sociais ao valorizar os interesses de cada um e as possibilidades de entendimento e negociação para além de toda competição, pode contribuir sensivelmente para necessários avanços.
Se ficarmos nos pedestais em que nos colocamos, será difícil curar o tecido das redes – familiares, profissionais, institucionais, políticas e de mercado (consumidores e fornecedores, por exemplo). É necessário recuarmos um passo em nossas afirmações categóricas, dividindo a atenção entre o nosso sistema coração-mente e o que a outra pessoa está dizendo ou indicando. Nesse intervalo de entendimento, o amor divino, em toda a diversidade de religiões, crenças, valores, templos e igrejas, pode atuar equilibrando os seres e tornando-os mais transparentes e abertos aos acordos de paz.
O filme “Não olhe para cima”, sucesso da temporada na Netflix, mostra o quanto a sociedade ocidental apodreceu por dentro, por conta da ganância sem limites, dos egos inflados e da prepotência da ignorância, sempre “senhora” da destruição, nunca da construção. Precisamos reconhecer o quanto ignoramos a própria realidade em que estamos inseridos, na medida em que as coisas se tornaram, em todos os campos do conhecimento, extremamente contraditórias e complexas. O mundo não é mais para amadores.
Nestas primeiras semanas de janeiro, estou lendo o livro “Construir o inimigo e outros escritos ocasionais”, de Umberto Eco (Record), em que brilha mais uma vez a inteligência desse grande escritor e pensador. No ensaio do título, ele investiga os recursos utilizados e manipulados, em todas as sociedades, para a “geração” dos inimigos, aquele “outro” demonizado, combatido e odiado para que possamos experimentar um mínimo de união entre “nós”. Já abusamos muito dessa guerra interna. Precisamos urgentemente de cessar-fogo para dar espaço à mediação.