Atibaia e o humor no início do século XX
Marcio Zago
O jornal “O Atibaiense” desde seu início, em 1901, abriu espaço para o humor. Os artigos eram publicados em sessões como “Telephonadas”, “Secção Alegre”, “Miscelanea” e outros, além de contos humorísticos e piadas. As limitações técnicas da impressão tipográfica do jornal não permitia o uso das imagens humorísticas, das piadas gráficas, que pouco depois passaram a ser fartamente utilizadas nas publicações periódicas tais como “Revista da Semana”, “O Malho”, “Fon-Fon!”, “Careta” e outras. Para ilustrar os textos cômicos “O Atibaiense” utilizava repetidas vezes um mesmo clichê de cunho humorístico.
E aqui cabe uma explicação: O processo tipográfico, na qual era impresso o jornal, constituía-se de letras separadas (tipos móveis) que,unidas em frases, formavam a rama compondo uma matriz. Essa matriz pode ser entendida como um carimbo, onde a parte saliente recebia tinta, que por contato era transferida ao papel, gerando inúmeras cópias. Para inserir imagem, tanto desenho como fotografia, necessitava de um “clichê”, espécie de matriz xilográfica… Um recurso bastante caro e trabalhoso para a época. Sem imagens, o texto ganhava importância. É bom lembrar que o efeito cômico só ocorre na reversão de nossa expectativa, na concisão, na antítese e no uso de estereótipos – fator cultural que muda através dos anos – portanto o texto humorístico da época era bem diferente do texto humorístico de hoje. Era comum naqueles artigos reproduzirem o “falar” do caipira, do sotaque atibaiano que havia naquele tempo, herança das diversas etnias que deram origem a nossa cidade, principalmente da influência da língua indígena, como tão bem destacou João Batista Conti em seus estudos sobre o assunto. Esse uso do sotaque caipira como recurso humorístico, de certa forma, refletia a necessidade de afirmação da elite culta sobre a grande maioria da população iletrada da época. Em 1904 o “leitô Zelino Bom Sucesso” inicia assim seu artigo “Ilmo Sinhô Redatô – práprincipiá vô te dizê que tenho meiscancarado de tanto serri com o telefono marconi que vançê tem botado no jorná… ”Ele se referia a sessão “Telephonadas”, onde o mote era repetir um dialogo entre dois telefonistas, lembrando que o telefone era novidade na época. Os textos começavam assim:
De Nazaré a Atibaia:
Trim-lin-tin-tim…
-Olá quem fala?
– É o Benedito Jaguanhara.
-O que deseja V.s.?
-Peço chamar o Anselmo Pierotti ao aparelho.
-Olhe , ele agora não pode vir, está cortando. Se V.s. quiser deixar o recado, eu transmito.
-Então faça o favor, mas cuidado que é segredo!
-Fique descansado, só faço serviço limpo e Art-Nouveaut!
-Bem, escreva aí: Didi. Cheguei muito bem.
Algumas sessões humorísticas como a “Telephonadas”, citada acima, eram escritas provavelmente pelo proprietário d “O Atibaiense”, o jornalista José Antônio Silveira Maia, que exercia inúmeras funções. Em geral os personagens eram pessoas conhecidas da sociedade local. Outras sessões reproduziam piadas colhidas de outras publicações que chegavam até ele, como essas:
“Qual a razão dos frades sentirem sempre frio?
Porque sempre estão nu com vento.”
Ou então: “Caiu um raio na igreja de um convento e um leigo observou: Se caísse na cozinha, não se salvaria um frade”.
Em geral eram chistes ou textos que hoje nos soam puros e ingênuos, sem graça até, mas que divertiram muito os letrados moradores daquela minúscula Atibaia que ficou esquecida num passado distante…
Márcio Zago é artista plástico e artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”. É criador e curador da Semana André Carneiro.