A Caixa de Piti, manifestação cultural de Atibaia
Segundo o jornal “O Pettit (Piti), este sim, para ele ainda que chovesse espetos, tudo afrontava com seu rufo, que ensurdecia a humanidade”.
Marcio Zago
Em 1904as noticias do jornal “O Atibaiense”relatavam as fortes chuvas que prejudicaram as Festas de N. S. Rosário e São Benedito, tradicionais festas de final de ano.As chuvas torrenciais, no entanto, não impediram que as congadas, caiapós e “mascarados” (?) cumprissem seus ritos sacralizados que já contavam na época com muitos anos de existência. Na cavalhada do dia 26, data em que se comemorava o encontro do Rei, foicontabilizado 225 cavaleiros, informação importante para avaliar a importância da festa, visto que a cidadepossuía cerca de 11.000 habitantes. Havia informações de outros prejuízos causados pela chuva, exceção feita ao Piti. Segundo o jornal “O Pettit (Piti), este sim, para ele ainda que chovesse espetos, tudo afrontava com seu rufo, que ensurdecia a humanidade”. Mas quem era esse personagem que merecia destaque nos jornais da época? João Batista Conti, pesquisador e folclorista local dá a resposta.
No livro “Atibaia Folclórica”, o autor descreve o Piti como “um velho sacristão da igreja. Um mulato solteirão, baixo e gordo, que vivia metido nos seus aposentos que ficava nos fundos da Igreja, onde viveu toda sua vida. Quando se aproximava os festejos do Natal, isto é, nove dias antes, ele tomava de sua caixa e percorria as ruas centrais da cidade, tamborilando de uma maneira própria. Era a novena. Ás vinte horas saía ele pela Rua José Lucas até atingir o Largo do Rosário, hoje Praça Guilherme Gonçalves, e aí chegando permanecia algum tempo, sempre batendo a sua caixa, e, depois, continuava o seu trajeto pela Rua José Alvim, até alcançar a Igreja Matriz.
Nos dias de festa, além de sua volta costumeira, fazia ainda a alvorada. No dia de Reis ele aparecia novamente”.João Batista Contirelataainda que seu nome era Sebastião Eufrásio de Lima, personagem bastante popular e querido em Atibaia naquele inicio de século XX. Sua paixão era o circo de cavalinhos, como era conhecido o circo na época. Nos espetáculos que aqui aportavam, o Pitise acomodava na primeira fila, binóculos na mão, vestido com seu melhor traje, sempre com o lenço de seda amarrado no pescoço. Por muitos anos a pequena comunidade atibaiense assim vivenciou as festividades de final de ano, alertados com antecedência pelo percurso estridente da caixa doPiti. A partir de 1932 a festa perdeu um pouco de seu brilho e alegria.
Morreu o Piti aos sessenta e quatro anos de idade, e com ele se encerrava uma manifestação cultural que tem um recorte muito específico em relação ao tempo e espaço, que existiu somente em nossa cidade. Trata-se de uma manifestação espontânea, e não uma “tradição“, visto que esta palavra inclui a transmissão “de geração para geração”, mas que certamente marcou de forma indelével a mais importante festa religiosa de Atibaia de outrora. Encoberta pela espessa e inexorável poeira do tempo a Caixa do Pitifoi silenciada para sempre e jamais será retomada.
Márcio Zago é artista plástico e artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”. É criador e curador da Semana André Carneiro.