Livro de memorialista contesta versão oficial de que Jerônimo de Camargo foi o fundador de Atibaia

Em entrevista ao jornal O Atibaiense, o autor explica que Jerônimo de Camargo não foi o verdadeiro fundador de Atibaia, mas sim o Padre Matheus Nunes de Siqueira.

O memorialista Adriano Bedore, autor de Raízes, o principal livro de genealogia relacionada também às famílias atibaianas, fará o lançamento virtual, na próxima terça-feira (dia 8), do seu mais novo livro: “Atibaia: o nascimento e o florescer de uma cidade”. Obra de fôlego em que praticamente todos os aspectos da vida do município foram abordados, o livro ainda apresenta uma nova versão para a fundação da cidade. Segundo o autor, Jerônimo de Camargo não foi o verdadeiro fundador de Atibaia, mas sim o Padre Matheus Nunes de Siqueira. No texto de apresentação, Adriano Bedore afirma que os historiadores confundiram o latifundiário atibaiano Jerônimo de Camargo do século XVIII com o seu tio-avô de mesmo nome, que viveu no século XVII, mas distante do local de origem da cidade. “O Jerônimo foi fundamental para a fundação de Jundiaí, mas não para a de Atibaia”, ressalta.

O Atibaiense: Adriano, no texto de apresentação do livro, você escreveu que dois sentimentos o levaram a pesquisar sobre a história de nossa cidade: uma compulsão irrefreável por conhecimentos históricos e uma paixão incontida pela cidade. Você pode explicar melhor isso?
Adriano: Minhas pesquisas no campo histórico nasceram através da genealogia. Minha curiosidade pela descoberta dos meus antepassados foi a porta de entrada para o universo das pesquisas. A partir desse campo, meus interesses pela história da minha família foi se ampliando para a história de Atibaia à medida que fui percebendo que a história da minha família pelo lado materno estava intrinsicamente ligada à história de Atibaia. Num determinado momento não era mais o meu interesse genealógico que movia as minhas pesquisas e sim o interesse pela história da minha terra natal e da grande maioria dos meus antepassados pelo lado da minha mãe. Quando percebi, a genealogia ficou em segundo plano depois da edição do meu livro sobre o assunto: Raízes lançado em 2012 e, a partir daí, transformei-me num incorrigível pesquisador pela história e por tudo que se referia à cidade de Atibaia.

O Atibaiense: O livro é um relato quase completo sobre a história de nossa cidade, uma das mais antigas do País, com 355 anos. Foi um trabalho de fôlego, que deve ter demandado muito do seu tempo e, por certo, com custos elevados. Agora que o livro foi editado, você se sente recompensado?
Adriano: Sou extremamente exigente comigo mesmo e sei que o lançamento do livro não porá um ponto final nas minhas pesquisas, tampouco pelo meu interesse e amor por Atibaia. Acho que ambos são eternos. De fato, o livro é o resultado de uma grande pesquisa, especialmente no que tange à fundação da cidade, ou melhor, ao seu nascimento, contudo, não me sinto recompensado não. Meu sentimento ainda é de gratidão e dívida para com esta cidade na qual nasci e pela qual tenho uma grande paixão. Sei que posso e devo fazer ainda mais por Atibaia.

 

 

O Atibaiense: Você nasceu aqui, a exemplo de sua mãe Sonia, de família tradicional, e seu pai Odair foi um importante líder político da cidade durante duas décadas. O que você aprendeu com eles?
Adriano: É evidente que os nossos valores e grande parte dos nossos gostos recebem imensa influência de nossos pais, familiares e amigos mais próximos. Do meu pai, que agora em agosto completou 70 anos e que na verdade nasceu no bairro da Penha em São Paulo, mas que vive aqui desde a adolescência, eu aprendi a nutrir um grande amor por Atibaia e o gosto pela política. Acompanhando meu pai desde a minha infância, pude aprender sobre política uma vez que ele exerceu a vereança de 1983 até 2004. Já através de minha mãe aprendi a respeitar e a valorizar toda minha família. Ontem mesmo, durante o almoço com ela, na sua casa, ao falar de uma parente, ela me advertiu: – “Não importa filho, essa pessoa faz parte de nossa família e deve ser respeitada”. Esse sentimento de amor a todos os familiares, certamente eu aprendi com ela.

O Atibaiense: Adriano, você levanta no livro uma questão que vai gerar muitos debates: a de que a versão oficial sobre a fundação de Atibaia está errada e que Jerônimo de Camargo não é o verdadeiro fundador da cidade. O que o levou a ter tanta certeza de que os historiadores erraram?
Adriano: Quando comecei a me aprofundar nas pesquisas sobre a história de Atibaia, a falta de documentos que comprovavam a participação do bandeirante Jerônimo de Camargo no nascimento de Atibaia, muito me intrigou. A identificação da sesmaria dos descendentes de Jerônimo de Camargo, em local diferente do núcleo de nascimento da cidade, ou seja, da região central, e o fato de sua morte ter ocorrido em Jundiaí, me transmitiam sérias desconfianças de que a versão segundo a qual o padre Matheus Nunes de Siqueira havia encontrado aqui o bandeirante Jerônimo de Camargo, quando ele aqui esteve para aldear os índios Guarulhos em 1665, não correspondia à verdade. Depois, através da genealogia, confirmei que os primeiros povoadores da cidade eram partidários da família Pires, assim como o padre Matheus, conhecidos inimigos políticos dos Camargos durante boa parte do século XVII. Foi aí que eu não tive dúvidas de que minha intuição, somada ao que eu ouvia de memorialistas como o José Luiz Teixeira e o saudoso Renato Zanoni, estava certa. Por fim, para não dar mais spoilers, deparei com a prova cabal que Jerônimo de Camargo não estava no cenário de nascimento de Atibaia, mas sobre essa prova eu não irei falar mais e o leitor, para saber, terá que ler o livro (risos). O que é importante dizer sobre essa pergunta é que eu refuto a terminologia fundador e fundação para falarmos do nascimento de uma cidade. Para mim o ideal é início do povoamento e principais povoadores. Dito isto, eu afirmo que o Jerônimo de Camargo não esteve em Atibaia no início de seu povoamento, contudo, ele e seus descendentes, incontestavelmente podem ser considerados, não os primeiros, mas uma das principais famílias povoadoras do aldeamento que deu origem a esta linda cidade do Estado e do País.

O Atibaiense: Na contracapa do livro há a informação de que você está escrevendo um romance tendo como pano de fundo o conflito entre as famílias Pires e Camargo, conflito esse que também marcou demais os primeiros anos de nossa cidade. Você nos poderia adiantar um pouco sobre o enredo do seu primeiro romance?
Adriano: O conflito entre as famílias Pires e Camargo é, infelizmente, muito pouco retratado nos livros de história. Trata-se sem sombra de dúvida de um dos primeiros conflitos familiares e políticos do Brasil colônia, cuja demanda chegou ao conhecimento dos reis da Espanha e de Portugal, tamanha a sua importância na época. Esse conflito teve várias motivações, entre elas a econômica, a religiosa e até causas românticas. Eu diria que é a versão brasileira da célebre disputa narrada pelo romance de Shakespeare “Romeu e Julieta”. O meu romance trata de um romance histórico que se passa nesse importante e pouco explorado momento da história do Brasil, na então vilazinha de São Paulo.
O Atibaiense: Também na contracapa há um texto que diz que você viajou várias vezes à Europa e que conhece muitas das cidades mais importantes de lá. O que lhe faz ir à Europa e o que você nota de diferença entre essas cidades e Atibaia, positiva e negativamente.
Adriano: De fato, na contracapa do livro, o meu querido amigo David Boal que foi articulista do O Atibaiense, escreve sobre a obra e faz referência às minhas viagens à Europa para dizer que, mesmo tendo viajado bastante, o meu amor por Atibaia me prende a ela. Talvez, sobre esse paralelo, o mais importante a dizer é que a identidade das cidades europeias está muito ligada à preservação da memória e da história das cidades. Viajando pelo velho mundo eu pude perceber a enorme importância da preservação dos espaços e da cultura para a manutenção da identidade de um povo. É evidente que o Brasil é uma criança se comparado à velha Europa, mas uma criança também constrói a sua história e ela não pode ser esquecida e desvalorizada. Essa pergunta também me dá oportunidade de dizer que Atibaia não fica atrás da maioria das cidades europeias que conheci, nem em relação às belezas naturais, tampouco em relação à riqueza cultural, especialmente em relação a cultura popular, ainda muito bem preservadas aqui. Temos riquíssimas manifestações culturais de raízes religiosas, tais como a cavalhada, o ciclo natalino, as congadas, a folia de reis e a reza de São Gonçalo que devem ser preservadas, cuidadas com extremo carinho por parte do Poder Público e exploradas como importantes vertentes de turismo. Há muita beleza neste imenso País e no exterior, mas eu não tenho nenhuma dúvida de que Atibaia não perde nada para nenhuma cidade que eu já pude conhecer e que o nosso potencial turístico é infinitamente maior do que o explorado hoje. Temos verdadeiros diamantes brutos por aqui, resta lapidá-los.

O Atibaiense: Passamos por um período muito complicado da nossa história, com uma pandemia que já matou 120 mil brasileiros e um presidente que não recebe avaliação morna, ou é amado ou é detestado. O que a história, na sua opinião, pode nos ensinar sobre períodos extremos como o atual?
Adriano: A pergunta é de extrema importância. A história já demonstrou que os extremos não são vias eficientes para soluções dos conflitos que surgem ao longo do tempo. Eu acredito que visões extremistas pouco contribuem. A distância entre dois extremos é muito maior do que a distância entre os que estão no meio. Aristóteles, 2 mil e quinhentos anos atrás, já alertava para a irracionalidade das posturais radicalizadas e preconizava o acerto de concepções mais de meio-termo e que a virtude está no equilíbrio. Sempre achei isso, e prevejo infelizmente que enquanto o País enveredar pelo caminho dos extremos, a solução dos crônicos problemas nacionais ficará cada vez mais distante.