Jornalista precisa “jogar” nas ruas
Antigamente, o futebol tinha uma função que se chamava “beque de avanço”. Esta expressão é muito útil para definir a situação do jornalista hoje. Precisa estar na defesa, imediatamente à frente do goleiro, mas sempre se adiantar para ajudar o ataque, de preferência com técnica e capacidade de articular informações, bancos de dados e depoimentos.
Para além das comparações futebolísticas, o jornalismo hoje pressupõe tecnologia e muita conversa nas ruas. Sim, sem andar pelas calçadas da vida, ouvindo todo tipo de tendência, gênero, idade ou atividade, o profissional de comunicação perde a temperatura. Como dizia João do Rio, jornalista e escritor do início do século XX, a alma encantadora das ruas dá o caminho para quem precisa escrever.
Sábado passado, fiz o exercício dessa alma encantadora. Deixei o carro na garagem e fui me aventurar em outros meios de transporte. Comecei pelo Uber, que chegou em três minutos. Na rodoviária de Atibaia, peguei o ônibus para São Paulo e desembarquei no terminal Tietê antes das 9h30.
Até ali, bastante rápido o meu deslocamento. Com o bilhete do metrô comprado no terminal de Atibaia, fui até a estação Paraíso e, depois, até a estação Brigadeiro. Saí na avenida Paulista, subindo a escada do metrô como uma atleta de quase 65 anos – correndo, vitória da superação de uma asma que tenta me derrubar desde o segundo ano de vida. Continuei no exercício, descendo a pé a avenida Brigadeiro, até o Ibirapuera, onde fui fazer um exame em clínica de radiologia.
A volta foi ainda mais divertida. Livre por volta das 11h, subi a Brigadeira em ônibus articulado. Passei na Livraria Martins Fontes, onde comprei dois livros, um do poeta Manoel de Barros e outro sobre a escritora Clarice Lispector, dois ídolos da escrita para mim. E, em seguida, fui ao Itaú Cultural, ver a exposição Ocupação Manoel de Barros e a mostra deslumbrante Consciência Cibernética. Banho de cultura!
No retorno ao metrô Paraíso, também a pé, encontrei um fotógrafo na calçada exibindo seu trabalho numa bicicleta muito estilosa. Na estação Tietê, tomei o ônibus para Atibaia, chegando às 16h. Fui à agência do Banco do Brasil, tomei um suco e comi um pedaço de bolo no Café Dalí, ao lado do Centro Cultural André Carneiro, e voltei para casa, contando novamente com o Uber. No caminho, o motorista me contou detalhes de um processo que está na Justiça e envolve o transporte da cidade.
Em outras palavras, jornalista tem de “jogar”, como beque de avanço, nas ruas. Ou não?