HISTÓRIAS DE ATIBAIA: Carnaval e racionamento
Em Atibaia, no ano de 1944, os reflexos da crise já eram sentidos. Diante das dificuldades, o jornal O Atibaiense criou a coluna “Queixas e Reclamações”, voltada aos leitores que desejassem manifestar suas insatisfações.
Márcio Zago
Embora estivesse próximo do fim, o cenário da Segunda Guerra Mundial ainda causava inúmeros transtornos em 1944 — e o Brasil não passou imune, especialmente após ter ingressado efetivamente no conflito dois anos antes. Entre as muitas consequências da guerra, o racionamento foi uma medida essencial para enfrentar a escassez de produtos. O controle e a distribuição de alimentos pelo governo visavam garantir o abastecimento básico da população e, ao mesmo tempo, conter a disparada dos preços.
Em Atibaia, os reflexos da crise já eram sentidos. Diante das dificuldades, o jornal O Atibaiense criou a coluna “Queixas e Reclamações”, voltada aos leitores que desejassem manifestar suas insatisfações. Na primeira edição, o destaque foi a escassez de açúcar no município: “Em virtude do afluxo de visitantes que tivemos, o estoque de açúcar existente na praça não deu para as encomendas. Mormente porque muitos levaram o precioso alimento para São Paulo, em detrimento da população local. E o mercado negro, nessas ocasiões, se faz sentir como nunca (…) O sistema de cartões de racionamento, adotado em outras localidades, poderia dar a solução do problema. Não valeria a pena experimentá-lo, atendendo-se aos justos reclames da população?” Se para a vida cotidiana a situação da população não estava boa, principalmente para os menos favorecidos, pior para os assuntos considerados mais amenos, como o carnaval, por exemplo. Na edição de fevereiro O Atibaiense trouxe a seguinte nota em relação a ele: “(…) Já é truísmo dizer que o Carnaval de rua faliu. De há muito e em toda a parte vem ele se confinando ao âmbito dos salões. Os delirantes e saudosos folguedos, com corsos, ranchos e cordões, pertencem ao passado. E o Carnaval, como tudo na vida, também teve que se condicionar às leis da evolução. (…)”.Essa ideia, em boa parte, vinha de cima para baixo, em razão de uma série de restrições e proibições vindas do Estado a partir de 1942, com a proibição ao uso de máscaras, ao lança-perfume, a determinadas letras de músicas e até ao frevo imposta pelo governo de Getúlio Vargas.
Mas se o carnaval de rua não aconteceu naquele ano, nos salões a alegria imperou. O São João estreou a nova sede social no belo prédio da Rua José Alvim. O CETEBÊ, todo enfeitado com pinturas a caráter, escolheu Ida Trícoli como a Rainha do Carnaval e Natálio Fernandes como o folião número um. No tradicional Clube Recreativo Atibaiano reuniram-se os visitantes e a granfinagem, segundo o jornal, com destaque para os “sugestivos” quadros de André Carneiro e o “jazz” de Olegário Lobo. Felizmente, o suplício da guerra se aproximava do fim. Mas antes que o mundo pudesse respirar aliviado, ainda assistiria, estarrecido, a um dos episódios mais cruéis e estúpidos da história: a destruição das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki pelas bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.