HISTÓRIA DE ATIBAIA: Um caboclo na R.A.F.

O “caboclo” mencionado no título era seu filho, Richard Antony Wellington — ou simplesmente Tony, como era conhecido.

Márcio Zago

Em 1943, o jornal O Atibaiense publicou um curioso artigo intitulado “Um caboclo na R.A.F.”. Naquele ano, a Segunda Guerra Mundial seguia em pleno andamento, dominando as pautas da imprensa mundial — e, naturalmente, também da imprensa local. O artigo, originalmente publicado no Diário da Noite, trazia como subtítulo: “Do chão de Atibaia para os céus de Berlim”. Ele relatava uma entrevista concedida por Mister Wellington, um inglês que chegara ao Brasil logo após a Primeira Guerra Mundial e que, à época, era superintendente da São Paulo Railway — a primeira empresa ferroviária britânica estabelecida no Brasil.
O “caboclo” mencionado no título era seu filho, Richard Antony Wellington — ou simplesmente Tony, como era conhecido. Criado em fazendas da região bragantina, entre plantações e animais, Tony tornou-se um autêntico caboclo brasileiro. Ainda jovem, foi enviado para estudar na Inglaterra e, aos 21 anos, ingressou como soldado na Royal Air Force (R.A.F.). Em pouco tempo, foi promovido a sargento, depois a oficial e, por fim, a piloto, assumindo o comando de esquadrilhas da histórica Força Aérea Real — o braço aéreo das Forças Armadas do Reino Unido, criado em 1918, durante a Primeira Guerra Mundial. A R.A.F. teve papel crucial na história militar britânica, especialmente durante a Segunda Guerra Mundial, quando, ao lado da força aérea americana, derrotou a temida Luftwaffe, a frota aérea de Hitler.
A matéria destacava a condecoração recebida por Tony, resultado de sua participação em diversas missões de bombardeio sobre cidades como Colônia, Hamburgo, Gênova, Essen, Mannheim e naquela “terrível incursão sobre as fábricas Creusot”, na França ocupada. Pouco antes de embarcar para a Inglaterra, segundo narrava o artigo, Tony havia adquirido uma chácara de 150 alqueires próxima a Atibaia e, não fosse pela guerra, ali pretendia viver como fazendeiro. Naquele momento, Atibaia perdia um futuro agricultor, mas ganhava um herói. A matéria, que ocupou quase toda a primeira página de O Atibaiense, evidenciava a importância que a imprensa local atribuía às notícias da guerra — um fato bastante compreensível, mas também revelador da situação cultural do município naquele período.
Desde o início do conflito, as notícias sobre as atividades culturais haviam diminuído sensivelmente e se restringiam à programação dos cinemas e a outras pequenas apresentações. Essa contração não era um fenômeno local, mas afetava até mesmo eventos tradicionais e já consolidados no calendário nacional, como o carnaval, por exemplo, que abriu mão dos recursos do estado para investir nas despesas com a guerra.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.