HISTÓRIA DE ATIBAIA: Sempre em meu coração e a crítica cinematográfica
Em plena Segunda Guerra Mundial, os filmes sobre o conflito eram inúmeros, e a indústria cinematográfica americana já explorava com mestria esse potencial.
Márcio Zago
Se Aprígio de Toledo pode ser considerado o primeiro crítico teatral de Atibaia, graças aos artigos que publicou no Atibaiense a partir de 1904, André Carneiro merece o mesmo reconhecimento como o pioneiro da crítica cinematográfica na cidade. Em janeiro de 1944, ele assinou Sempre em meu coração, o primeiro de uma série de textos dedicados à sétima arte que viriam a ser publicados, também, nas páginas do Atibaiense.
Em plena Segunda Guerra Mundial, os filmes sobre o conflito eram inúmeros, e a indústria cinematográfica americana já explorava com mestria esse potencial. O artigo de André, de certa forma, já denunciava esse oportunismo ao criticar o tratamento adocicado dado por Hollywood a temas tão sérios quanto a guerra, presente em filmes como Sempre em Meu Coração, de Jo Graham. O questionamento maior era em relação à indiferença que fitas como essa causavam em parte da plateia, que se mostrava alheia à dor real que a guerra trazia.
Para André, eram “os inocentes”, em analogia ao poema Os inocentes do Leblon, de Carlos Drummond de Andrade, de 1940, que satiriza a indiferença e a falta de consciência social dos moradores do bairro carioca do Leblon, que, apesar de estarem em meio a eventos importantes, preferem se dedicar ao prazer imediato e à superficialidade: “Os inocentes do Leblon / não viram o navio entrar. / Trouxe bailarinas? / trouxe imigrantes? / trouxe um grama de rádio? / Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram, / mas a areia é quente, e há um óleo suave / que eles passam nas costas, e esquecem”. No artigo, André Carneiro destacava a importância do cinema naquele momento como uma janela para a vida real e expressava sua indignação diante da insensibilidade por parte da sociedade: “(…) No cinema, durante a fita natural, vemos a tragédia com toda a sua corte de angústia. Ao explodir das bombas, quase podemos vislumbrar os membros despedaçados, ouvir o lamento dos órfãos e adivinhar o ódio — o ódio terrível e cego que milhões sentem contra milhões — e que perdurará ainda no futuro, a despeito de todos os tratados, a despeito de todos os armistícios, como o resíduo final da loucura coletiva. Enquanto, aos nossos olhos, desenrolam-se vivos e palpitantes os episódios que talvez custaram a vida ao cinegrafista, causa espanto observar o desinteresse de alguns diante do documento vivo do sacrifício de milhares (…). Esses inocentes, esses despreocupados que veem esta guerra somente como obstáculo ao seu bem-estar — em uma simples questão de ter ou não ter açúcar (lembrando que o açúcar estava racionado na época) — leem com a maior das calmas as notícias sobre o nosso corpo expedicionário, sobre os navios afundados, sobre a duração da guerra. Mas não dizem nada, não acham coisa nenhuma; lamentam apenas que os jornais só tragam notícias dela (…)”.E finaliza: “Guardemos as nossas lágrimas para o que realmente as mereçam e não esqueçamos nunca que o sofrimento, o heroísmo, o sacrifício e o devotamento desses milhões de anônimos que lutam por um mundo melhor, sem opressões, sem ditadores, sem polícias secretas e sem campos de concentração, é o que devemos trazer sempre em nossos corações”.
