HISTÓRIA DE ATIBAIA: A profecia dos três caipiras
Márcio Zago
No início de 1944, o jornal O Atibaiense publicou, logo abaixo da programação semanal do Cine República, a seguinte nota: “No palco do República exibir-se-ão, no próximo dia 2, Palmeira e Piraci, a dupla caipira mais aplaudida de São Paulo, exclusiva da Rádio Bandeirantes, e Capitão Furtado, o divertido humorista da Rádio Difusora”. Naquele período, a música caipira vivia seu auge de popularidade, impulsionada principalmente pelos programas de rádio especializados no gênero. Com raízes nas zonas rurais do Brasil, especialmente no interior paulista, esse estilo musical ganhou projeção nacional a partir de 1929, quando a dupla Mariano e Caçula gravou o primeiro disco de música sertaneja do país: a moda de viola “Jorginho do Sertão”, composição de Cornélio Pires. A dupla que se apresentou em Atibaia, assim como o humorista Capitão Furtado, já era bastante conhecida do público e traziam na bagagem um rico histórico de realizações.
O compositor Miguel Lopes Rodrigues, o Piraci (natural de Piracicaba, o que originou o apelido), uniu-se, por volta de 1941, a Diogo Mulero, o Palmeira, formando uma das duplas mais populares e produtivas de seu tempo. Já o humorista Ariovaldo Pires, o Capitão Furtado, era sobrinho de Cornélio Pires e também compositor, com mais de mil canções registradas, muitas delas lançadas em discos de 78 rotações.
Uma curiosidade interessante: quatro meses após a apresentação em Atibaia, Palmeira e Piraci gravariam, pela gravadora Continental, a canção “O Mundo Daqui a Cem Anos”, composta em parceria com Capitão Furtado. A letra é uma verdadeira pérola do cancioneiro caipira de humor:”O mundo daqui a cem ano / Vai ser muito deferente / Disse um profeta que os bicho / É quem vai mandar na gente. Eu li outra profecia / Essa sim que é um pagode / Os home vai usar saia / E as muié barba e bigode. Outra coisa que me feiz / Ficar muito admirado / Que as criancinha já nasce / Com os dente abiturado. Os home vai ser vaidoso /Já nasce cheio de enfeite / Os burro é que vão sê mestre / E as galinha vão dar leite. Inté parece mentira / Mas é uma verdade pura / Jacaré vai no dentista / Pois vai usar dentadura. Se o profeta não erro / Vai ser mermo um mundo novo / Pois ele inté garantiu / Que as vaca vão botá ovo. O sór vai sair de noite / E a Lua ao meio-dia / Se a sogra visita o genro / É motivo de alegria. A terra daqui a cem ano / Será muito produtiva / Plantando um botão já nasce / Um terno sobre medida. Diz que daqui a cem ano / A gente num morre mais / Chegando uma certa idade / Os ano vorta pra tráis. Se nóis num chegáinté lá / Teremo a consolação / De podêvortá pro mundo / Na outra encadernação”.
Oitenta anos se passaram desde então. Faltam vinte para cumprir a profecia, mas já dá pra saber se a previsão desse trio inspirado foi apenas uma simples especulação ou se tinha um fundo de verdade… E você, o que acha?
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.