Bom Jesus dos Perdões: 320 anos de fé, história e tradição

O povo perdoense celebra, com devoção, a origem de seu Santuário – marco central de sua memória e identidade.

Foto – Marcelo Máximo da fonseca/2025

 

Bom Jesus dos Perdões, nascida no início do século XVIII sob o sinal da Santa Cruz, despertou em festa na última quinta-feira, 22 de maio, celebrando – ao som vibrante dos sinos de sua igreja – os 320 anos de sua história. Autoridades civis e eclesiásticas prestigiaram a efeméride, realçandosua importância e dando-lhe ainda maior brilho.

A data rememora a bênção solene, em 22 de maio de 1705, da capelinhalevantada em suas terraspor Bárbara Cardoso de Almeida, devota do Senhor Bom Jesus dos Perdões da Cana Verde. O ato, oficiado pelo frei Francisco da Conceição, abade do Mosteiro de São Bento, e assistido, entre outros religiosos, pelo frei Mathias do Espírito Santo, tornou-se o marco central da comunidade –ligada às antigas freguesias de São João Batista de Atibaia e de Nossa Senhora de Nazaré.

À época, era comum entre os colonizadores portugueses, profundamente católicos, erigir capelas como expressão de sua fé. Além de construí-las, as instituíam como patrimônio, transferindo sua propriedade a uma entidade jurídica. Foi assim que se criou o “Patrimônio do Senhor Bom Jesus dos Perdões”, pois a palavra “capela” designava não apenas o templo físico, mas também um instituto jurídico-canônicovigente no período colonial.

Aquela primitiva igreja, todavia, foi demolida em 1870, dando lugar, em 1890, a um novo esuntuoso templo – que ficariaainda mais imponente com a “Grande Reforma” de 1904. Apesar dos poucos recursos, o decisivo apoio do povo permitiu a construção do frontispício, com suas duas torres e o relógio. O interior foi todo pintado e seus elementos arquitetônicos ricamente ornamentados no estilo barroco mineiro com influência atribuída à escola de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Em 22 de maio de 1905,o novo templo foi reinaugurado, com festiva solenidade, em comemoração ao seu bicentenário.

O 22 de maio, data da consagração da Capela dos Perdões – igualmente conhecida como da Cana Verde – é, por isso mesmo, tão significativo para o povo perdoense que foi instituído como feriado municipal pela Lei nº 390, de 8 de junho de 1974, como observa o Dr. Rogério A. Correia Dias, juiz de direito, nascido em Perdões, em cuja pia batismal recebeu seu primeiro sacramento.

Com a grande afluência de romeiros devotos do Senhor Bom Jesus dos Perdões, a igreja, um dos principais centros católicos do Estado de São Paulo, foi elevada a Santuário Arquiepiscopal em 11 de janeiro de 1913 e, com a criação da Diocese de Bragança Paulista em 24 de julho de 1925, passou a ser Santuário Diocesano, consolidando, assim, sua importância na estrutura hierárquica da Igreja Católica Apostólica Romana.

Administrado pelo padre Celso dos Santos Neto, seu atual reitor, o Santuário do Senhor Bom Jesus dos Perdões recebe,anualmente, milhares de peregrinos vindos, tantas vezes de ônibus,dos mais diversos lugares, especialmente em 6 de agosto, dia de sua mais gloriosa e concorrida festa – a Festa do Senhor Bom Jesus dos Perdões – e durante a novena cantada que a precede,rito de extraordinária beleza e profunda espiritualidade.

Trata-se da “mais difundida festa religiosa do estado: (…) A 6 de agosto, a Transfiguração do Tabor, o povo venera e glorifica o Cristo do pretório de Pilatos, o Ecce Homo, seminu, flagelado, coroado de espinhos e tendo nos braços uma cana-verde, à guisa de cetro-real: Bom Jesus da Cana-verde!”, como destacou Hélio Damante, um dos mais ilustres filhos da terra, no livro Folclore Brasileiro (São Paulo: Ministério da Educação, 1980, p. 35).

Passados mais de três séculos, o Santuário permanece como símbolo do legado espiritual e cultural perdoense, refletindo uma história emoldurada por ricas tradições. Mais que um centro religioso, é testemunho perene da essência de seu povo, seu “bom povo”, como bem definiu o Professor Francisco Damante, patrono da mais antiga escola pública local, em O Bom Povo: festas, costumes e lendas populares (São Paulo: Monteiro Lobato, 1925), um clássico do gênero.

E, enquanto os sinos ecoam nesses 320 anos, a memória coletiva de Bom Jesus dos Perdões não apenas se mantém viva, mas se fortalece a cada ciclo. O tempo, inexorável, flui; mas a fé permanece, unindo passado e presente na trajetória de um povo – de almae coração paulista – que construiu sua identidade com profundareverência ao sagrado.Um povo que ora renova o compromisso de honrar suas raízes e de projetar, com fé, esperança e amor, seu luminoso amanhã.