Transtornos mentais nas escolas: inclusão na prática

Num período de dez anos, casos de ansiedade de crianças e adolescentes cresceram entre 15 e 44 vezes.

 

Anna Luiza Calixto – Foto: Julio Denig

 

Crianças e adolescentes estão vivendo um período histórico extremamente desafiador, sobretudo no que diz respeito à saúde mental. Em levantamento realizado pelo Ministério da Saúde, divulgado há algumas semanas, foi identificado, em 10 anos, um aumento de 1.575% no atendimento, no SUS, de crianças entre 10 e 14 anos por sofrerem de ansiedade. Entre os adolescentes de 15 a 19 anos, o aumento foi de 4.423% – alcançando o número de 53.514 atendimentos em 2024: mais de seis por hora.
Os dados divulgados pelo Brasil de Fato deixam uma interrogação perene: “Mas o sistema de saúde está pronto para atender a essa demanda?” Pesquisadores brasileiros buscaram respostas possíveis e publicaram suas na revista Cadernos de Saúde Pública (CSP). Entrevistando os genitores de crianças de 3 a 16 anos outrora atendidas no serviço psicológico de uma policlínica ligada ao SUS, em uma cidade média sudestina, que carece de uma unidade de Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (Caps-IJ).
“Entre as conquistas e dificuldades enfrentadas pelas mães e pais, captadas pela pesquisa, chama a atenção o papel que a escola desempenha nesse processo de entendimento de transtornos mentais. Trata-se, segundo o artigo, de um “fenômeno contemporâneo”, que vem com “uma maior compreensão das relações entre possíveis problemas de aprendizagem e questões psicológicas, neurológicas e problemas no desenvolvimento”.” – afirma a reportagem.
Ao passo que a escola é uma lupa que potencializa a identificação de possíveis casos de transtornos mentais entre os estudantes, ela também é uma mola propulsora e tanto para o fenômeno da medicalização. Segundo a reportagem, tais distúrbios podem se originar de contextos culturais, sociais e familiares, mas neste escopo tendem a ser reduzidos a um laudo diagnóstico.
Dentro das estatísticas, prevalece a suspeita de Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Embora seja uma tendência que se confirma em estudos de diversos países, os autores do artigo fazem questão de problematizar essa prevalência.
A comunidade escolar, por vezes sucateada e vilipendiada nos recursos públicos, vê na medicalização uma possível saída, um caminho para onde escoar tais problemas e “normalizar” a situação, no pior dos sentidos das palavras. “Muitas escolas não se sentem preparadas para lidar com a diversidade e complexidade das questões de saúde mental, o que pode levar à percepção de que esse tipo de demanda está além de suas funções pedagógicas”. – cita a reportagem em alusão ao apelo recorrente aos recursos psiquiátricos muito mais que pedagógicos.
A intersetorialidade pode ser a resposta, construindo intervenções que conectem educação, saúde e rede socioassistencial, até mesmo para identificar possíveis transtornos de ansiedade desencadeados por fenômenos como a pobreza extrema e a naturalização da violência no ambiente doméstico, sendo a escola um gargalo em potencial para os sintomas que denunciam esses traços. Na escola deve haver a esperança verbal de Paulo Freire, seu patrono, uma educação que acolhe e promove senso de reconhecimento e identificação. Não pertencer é o que adoece.